1. A audiência de 29 de março
A pedido do Dep. Maurício Quintela Lessa (PR/AL), foi realizada no dia 29 de março de 2007 uma audiência pública na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, CCJC, da Câmara Federal, com o tema: "Debate sobre a segurança do processo eletrônico de votação no Brasil".
Foram convidados para se apresentarem: o Min. Carlos Velloso, ex-presidente do TSE e do STF; o Dr. Reginaldo dos Santos, Reitor do Instituto Tecnológico de Aeronáutica - ITA -; o Dr. Clóvis Torres Fernandes, professor da Divisão de Ciência da Computação do ITA; e o Eng. Amílcar Brunazo Filho do Fórum do Voto Eletrônico.
O Min. Velloso não compareceu, justificando-se por compromissos assumidos anteriormente, e o Reitor do ITA indicou o próprio prof. Clóvis Fernandes como seu representante.
Na abertura do evento, o Dep. Maurício Quintela Lessa citou o
Manifesto dos Professores sobre os riscos do voto eletrônico e leu trecho da Nota da Microbase que denuncia o descumprimento da lei pelo TSE no que tange a não apresentação dos seus programas para auditoria do MP, da OAB e dos partidos.
A palestra do Prof. Clóvis Torres Fernandes centrou-se no Caso Alagoas 2006 sobre o qual escreveu um detalhado relatório, onde analisou os arquivos de controle de eventos (logs) das urnas eletrônicas de Alagoas, e concluiu que os programas de 44% das urnas eletrônicas comprovadamente funcionaram fora das especificações oficiais do TSE.
A palestra do Eng. Amílcar Brunazo Filho abordou as dificuldades da fiscalização do voto eletrônico no Brasil, causado principalmente pelo acúmulo de poderes do TSE que provoca falta de transparência. Mostrou-se que a legislação que normatiza o voto eletrônico está desatualizada e é imprópria, permitindo que a regulamentação da fiscalização seja feita pelo próprio fiscalizado.
Na fase de questionamento dos palestrantes, o Dep. Magela (PT/DF) tornou público o Relatório Técnico elaborado sobre o Caso Brasíla 2002, onde são descritos problemas encontrados nos arquivos de logs, muito parecidos com os denunciados no relatório de Alagoas 2006.
Nas respostas ao Dep. Sérgio Brito, o Eng. Brunazo confirmou que o TSE não apresenta para conhecimento dos partidos todos os programas de computador que utiliza. Informou, ainda, que os problemas apontados nas urnas de Alagoas também ocorreram no resto do Brasil, sendo generalizada a falta de confiabilidade técnica do voto eletrônico.
Esta audiência pública provocou efeito imediato com o surgimento de uma proposta de criação de uma Subcomissão do Voto Eletrônico.
Na reunião ordinária da CCJC da Câmara, ocorrida no dia 10 de abril de 2007, foi criada oficialmente a Subcomissão Especial do Voto Eletrônico, que deverá se aprofundar na análise dos problemas apontados pelos palestrantes e, em 90 dias, procurar construir propostas de legislação que tornem viável a fiscalização do voto eletrônico no Brasil.
2. A Revelação do Caso Brasília 2002
O Relatório Técnico (.pdf 870 Kb) tornado público pelo Dep. Magela em março de 2007, havia sido elaborado em 2003, pela empresa Staff Technology, para analisar o resultado da eleição de 2002 para governador em Brasília, quando o Dep. Magela, então candidato, perdeu por pequena margem.
Neste Caso Brasília 2002 foram analisados os arquivos de logs das urnas-e e constatou-se que neles haviam os mesmos tipo de problemas que vieram a ser apontados pelo prof. Clóvis no Caso Alagoas 2006, como:
- conflito entre dados gerados pelo mesmo sistema
- diferença na quantidade de votos registrados nos logs e nos resultados oficiais
- registros de Código Inesperado ou "para uso futuro"
- falta parcial de registros de carga oficial da urna
- falta parcial de registros do autoteste;
- falta parcial de registros de emissão de zerésima
As conclusões do Relatório do Caso Brasilia também são semelhantes às conclusões do relatório do prof Clóvis e reafirmadas pelo Eng. Brunazo na audiência na CCJC:
"pode-se afirmar que nem a justiça eleitoral e nem os partidos realizaram tal auditoria dado a rapidez com que foram promulgados os resultados do pleito em suas duas etapas, o que comprova a fragilidade do processo de autoria dos partidos, da sociedade e, pronuncia a falta de transparência e legitimidade do processo em uso atualmente. Diante do exposto não é possível, sem os devidos detalhamentos e após os esclarecimentos dos fatos aqui listados, atestar os resultados dessa eleição"
Há de se lamentar que apenas agora em 2007, o dep. Magela tenha decidido tornar público este relatório pois, para que a vitória do presidente LuLa em 2002 não fosse contestada, a direção do
PT convenceu o candidato Magela a manter o relatório em segredo.
Como conseqüência desta desinformação da sociedade, em 2003 restou facilitada a derrubada da Lei do Voto Impresso, que justamente estabelecia formas de auditoria eleitoral efetiva e automática que o Relatório de Brasilia reclamava, e no seu lugar foi instituida da Lei do Voto Virtual às Cegas, que complicou e encareceu mais ainda eventual tentativa de fiscalizar as eleições eletrônicas.
3. A Ausência da Justiça Eleitoral
A ausência de representante da Justiça Eleitoral em debates públicos já se tornou praxe.
Não faltam exemplos, como o desta audiência pública da CCJC, em que o representante convidado da Justiça Eleitoral declina do convite no último instante, inviabilizando que um substituto possa ser chamado.
Aconteceu o mesmo no debate da Associação dos Juizes Federais, AJUFE, em agosto de 2006, quando o Diretor Geral do TSE, indicado pelo próprio tibunal, deixou de comparecer comunicando sua ausência na última hora, deixando o outro debatedor, o Prof. Pedro Dourado de Resende, da UnB, sem contraponto.
Também ocorreu na audiência pública da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara Federal, em junho de 2006, quando o mesmo Diretor Geral do TSE comunicou na véspera sua ausência, inviabilizando o debate que acabou cancelado.
No seminário promovido pela Sociedade Brasileira de Computação, em julho de 2004, o representante da Justiça Eleitoral só aceitou participar depois que os demais debatedores indicados (Ph.D. Rebecca Mercury, Prof. Pedro Resende e Eng. Brunazo) fossem devidamente "desconvidados", transformando o debate num monólogo.
Esta predileção por somente abordar temas técnicos sozinho, sem o questionamento direto de um interlocutor bem informado, é mais uma consequência do acúmulo de poderes do administrador eleitoral. Alega-se que preservar a própria boa imagem é tão importante que se deve evitar situações onde seus representantes não tenham argumentos sensatos e convincentes para responder questões bem colocadas.
O administrador eleitoral brasileiro prefere ausentar-se do debate técnico em público e apenas comunicar-se por meio de notas divulgada por sua assessoria de imprensa.
Assim, após a audiência pública na CCJC, o TSE divulgou nota para rebater, sem poder ser diretamente contestado, as denúncias apresentadas. A nota, publicada em alguns jornais no dia seguinte, por exemplo no jornal eletrônico
Primeira Edição, afirmava:
"LACRES - O TSE explica que todas as informações carregadas na urna eletrônica são identificadas pelas respectivas assinaturas digitais.
Além disso, a urna recebe um lacre físico, e o programa só permite que ela funcione no dia e hora predeterminados. Após o encerramento da eleição a urna grava internamente o Boletim de Urna (BU), emite as vias impressas e grava, de forma cifrada, uma cópia em disquete. Essa cópia é transmitida para a central de totalização, que verifica se o BU pertence a uma seção eleitoral válida e se não há duplicidade."
Este comunicado oficial não contesta as denúncias de mau funcionamento das urnas em Alagoas e em Brasília, mas nele está presente a argumentação "clássica" do administrador eleitoral. Fala no uso de assinatura digital e de lacres físicos como as garantias do sistema, tese que seria facilmente rebatida pelos palestantres na CCJC, caso tivessem oportunidade para tanto.
Na audiência na CCJC, foi apresentado trecho escrito do inventor da técnica de Assinatura Digital, Prof. Ph.D. Ronald Rivest do MIT, onde se explica porque a assinatura digital não é técnica suficiente para dar garantia ao voto eletrônico. E, perante esta evidência, o representante do TSE não teria como sustentar seu argumento padrão.
E sobre os lacres físicos, a situação é ainda pior. Relatório do Grupo de Trabalho de Logística de Urnas e Suprimentos do TSE, feito em dezembro de 2006, mostra que 86% dos lacres utilizados nas eleições de 2006 tinham aderência incorreta (soltavam sem se destruir).
O relatório foi feito por um grupo de trabalho composto pelos Secretários de Informática dos TRE do Rio da Janeiro, da Paraíba, do Amazonas e de Brasília junto com mais 3 funcionários do TSE e mais dois funcionários do TRE-DF.
A imagem abaixo foi extraida deste relatório oficial do TSE e mostra que apenas 14% dos lacres tinham aderência considerada excelente ou adequada, desmentindo a própria nota à imprensa: