O Voto-de-Cabresto Pós-Moderno - Versão 2006
O voto de cabresto é uma modalidade de fraude eleitoral de natureza psicológica, onde alguém procura coagir eleitores desprotegidos a votar em determinado candidato, sob o argumento de que quebrará o sigilo do voto podendo identificar em quem o eleitor votou.
No sistema de votação tradicional existia uma forma muito difundida de se conseguir quebrar o sigilo do voto de eleitores intimidados. Era chamado de voto-carreirinha e se valia do fato do eleitor depositar seu voto em papel nas urnas.
Consistia em fazer que cada eleitor levasse consigo uma cédula oficial já preenchida quando entrasse para votar, a depositasse na urna e trouxesse sua cédula vazia para fora da seção eleitoral. A primeira cédula para dar partida no processo era obtida com um mesário conivente.
A técnica para impedir esta fraude era numerar as cédulas externamente, de 1 a 5 por exemplo, dá-las em seqüência aos eleitores e verificar se este depositava a mesma cédula que recebeu. Mas não era uma prática que a Justiça Eleitoral impunha aos mesários de forma que a fraude persistiu até que, com a adoção das urnas eletrônicas, o eleitor deixou de depositar o voto em urnas de lona, desarticulando o esquema.
Esta qualidade das urnas eletrônicas foi muito utilizada na sua propaganda: ela teria acabado com o voto de cabresto.
Também foi utilizado como argumento pelo TSE para pressionar os senadores a modificar um projeto de lei que tornava obrigatório o uso de Urnas-E Reais no Brasil. Dizia-se que, com o voto impresso nas mãos dos eleitores, voltaria a possibilidade do voto-carreirinha.
A solução dada pelo Sen. Romeu Tuma, relator do projeto de lei, para impedir o voto-carreirinha em Urnas-E Reais, foi a de que o voto impresso seria mostrado ao eleitor através de um visor transparente e, depois de confirmado pelo eleitor, seria depositado automaticamente numa sacola acoplada à Urna-E, sem que o eleitor pudesse manuseá-lo.
Mas, será que a Urna-E Virtual brasileira acabou mesmo com o voto de cabresto?
Não acabou, pois o agente coator não precisa de fato conseguir quebrar a sigilo do voto do eleitor coagido, basta que consiga convencê-lo de que conseguiria, daí a natureza psicológica desta fraude.
E, neste aspecto, o método de liberação do voto nas nossas urnas eletrônicas, que consiste em se digitar o número do Título do Eleitor na mesma máquina e no mesmo momento em que o eleitor digita o seu voto, ajuda muito a se difundir a idéia de que o voto poderá ser identificado posteriormente.
Já na segunda eleição com urnas eletrônicas, em 1998, surgiu forte boato entre os funcionários de empresas estatais do Rio Grande do Sul de que a digitação do número do título simultânea à digitação do voto seria usada para identificar os funcionários públicos que não votassem na chapa da situação.
Era uma modalidade nova de golpe eleitoral que chegou com a urna eletrônica: o voto de cabresto em massa.
Tão grave chegou a ser a situação antes das eleições que o TRE-RS teve que apresentar repetidos esclarecimentos pela imprensa (como a reportagem "Justiça Eleitoral Garante Sigilo do Voto", Jornal ZeroHora, 23/10/1998 - pág. 20), tentando desconvencer os eleitores intimidados pelo boato.
Não se sabe avaliar como o conflito psicológico interno, entre o boato e o contra-boato, se resolveu nas mentes dos eleitores.
Mas a situação do voto de cabresto pós-moderno piorou muito em 2003 com a aprovação ligeira e ilegítima da Lei 10.740/03, a Lei do Voto Virtual às Cegas, sob o rolo compressor da Justiça Eleitoral que conseguiu impedir seu debate ou emenda.
A lei acabava com a auditoria automática da apuração dos votos nas urnas eletrônicas a ser efetuada a partir das eleições de 2004 por meio do voto impresso conferido pelo eleitor.
Não tendo absolutamente nada a oferecer em troca do fim da auditoria da apuração, o TSE procurou seduzir os parlamentares com a invenção do Registro Digital do Voto, inútil para a fiscalização, que permitiria aos políticos desenvolverem estudos de correlação, para determinar como os eleitores combinaram os seus votos nos diversos cargos, se as coligações foram respeitadas pelo eleitor, etc.
O Registro Digital do Voto nada mais é que o conjunto dos votos de cada eleitor escrito numa linha de um arquivo digital que é gravado em 3 vias nas memórias da Urna-E.
Assim que a lei foi aprovada, Jorge Stolfi, Professor Titular do Instituto de Computação da UNICAMP, anunciou como a possibilidade dos tais "estudos de correlação" também viabilizava a identificação do voto de eleitores coagidos. Era, exatamente, uma versão informatizada do voto de cabresto, que ressurgia com a nova lei.
Nesta próxima eleição de 2006, o Voto de Cabresto Pós-Moderno pode ser aplicado, por exemplo, por um candidato a deputado federal que queira garantir os votos de eleitores sobre os quais tenha poder de pressão psicológica, com os seguintes procedimentos:
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O agente coator escolhe candidatos inexpressivos, que terão poucos votos, para presidente, para governador, para senador e para deputado estadual. É sempre possível se conseguir um punhado de candidatos a deputado que com certeza não terão votos em determinada região;
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Com estes nomes, monta combinações incomuns de votos, todas diferentes entre si. Isto é possível com uma boa escolha de deputados sem voto;
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Copia, em duas vias, estas combinações diferentes e inclui o seu próprio nome no cargo ao qual concorre;
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Entrega uma via com uma relação diferente para cada eleitor coagido. Como o TSE estimula o uso de "colas", nada chamará atenção dos fiscais. Na segunda via da cola, anota o nome do eleitor e guarda;
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Após a eleição, basta obter acesso ao arquivo com os Registros Digitais dos Votos, que estarão gravados em inúmeros locais, como nos cartões de memória interno e externo das urnas eletrônicas, nos disquetes que ficam nos cartórios e nos computadores da rede. Este arquivo também poderá ser impresso pela própria Urna-E com o uso de um disquete especial chamado Sistema de Impressão do Boletim do Voto Digital - SIBVD.
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No arquivo, os conjuntos com os votos de cada eleitor estarão em linhas embaralhadas, mas poderão ser localizados pelas combinações incomuns, pois dificilmente haverá outra combinação igual no mesmo arquivo;
Se alguma combinação esperada, faltar, pune-se o respectivo eleitor.
Depois que o prof. Stolfi anunciou este roteiro que explora falha de segurança criada pela Lei do Voto Virtual, o TSE tentou contornar o problema que criou e, pela Resolução 21.744/04, decidiu dificultar os "estudos de correlação" que prometera aos parlamentares, decidindo manter secretos todos os arquivos de votos digitais (uns 2 milhões de arquivos) espalhados pelo Brasil. Se vai conseguir mantê-los todos secretos, sem vazamentos, não se sabe.
E, para que criar zilhões de cópias de arquivos perigosos, que podem permitir a violação de votos, só para mantê-las obrigatoriamente secretas, também não se sabe.
Mesmo que o coator não consiga acesso ao arquivo de votos, ainda assim poderá coagir se convencer os eleitores de que obterá o acesso.
Uma outra conseqüência perversa do Voto de Cabresto Pós Moderno é que candidatos de votação antes inexpressiva começarão a ganhar vários votos inesperados em locais em que nem são conhecidos, distorcendo a Verdade Eleitoral.
Quando a incidência desta fraude aumentar, e sob a vigência da Lei do Voto Virtual é inevitável que aumente, alguns candidatos até poderão vir a ser eleitos com os votos recebidos em locais inesperados.
Não existem defesas eficazes contra esta fraude, tamanho foi o estrago na fiscalização eleitoral causado pela Lei do Voto Virtual, cujo autor oficial, Sen. Eduardo Azeredo, cumpriu rigorosamente a vontade dos autores verdadeiros, funcionários do TSE. Em pronunciamento no plenário em 22 de julho de 2003, o Sen. Azeredo revelou desconhecer a finalidade do próprio projeto de lei que, ainda assim, foi aprovado sem debates públicos ou emendas, sob forte pressão dos ministros do TSE.
Os fiscais terão que tentar convencer eleitores coagidos a denunciar o esquema. Mas tudo ficará num bate-boca inócuo.