O Voto-de-Cabresto Pós-Moderno
mensagem enviada por Amilcar Brunazo Filho ao
Fórum do Voto-E
em 03 de setembro de 2004

Leia também o versão 2008 deste texto

 
Versão 2008 deste artigo
Artigos e Textos do
Voto Eletrônico

       A mensagem abaixo foi escrita para divulgar um problema que existe no sistema eleitoral eletrônico brasileiro e que está sendo escondido dos eleitores e da imprensa.

       Esta, refletindo a própria postura da sociedade brasileira, não tem dado a devida importância à necessidade de um sistema eleitoral confiável de fato e não apenas de garganta. Batendo no peito, num ufanismo ingênuo, pensando "ter um sistema eleitoral de primeiro mundo" sem ver o acúmulo de equívocos que está se tornando nosso sistema eleitoral informatizado.

       A assunto tratado nesta mensagem é exclusivamente a inviolabilidade do voto. Isto não quer dizer que a justa apuração do voto está garantida. Mas, nesta mensagem a atenção toda estará voltada à nova modalidade de voto-de-cabresto que atingiu as eleições de 2004 e posteriores.

[ ]s
       Eng. Amílcar Brunazo Filho - Santos, SP


2004 - A Volta do Voto-de-Cabresto Pós-Moderno

      A Lei do Voto Virtual às Cegas, aprovada de atropelo, com o empurrão de ministros da Justiça Eleitoral, em 2003, trouxe de volta o voto-de-cabresto ao sistema eleitoral brasileiro.

      Esta prática espúria havia sido bastante abrandada com a introdução da urna eletrônica em 1996, mas o conceito de Registro Digital do Voto, que a lei do Voto Virtual às Cegas criou em substituição do Voto Impresso Conferido Pelo Eleitor, reabriu as portas para uma versão eletrônica do voto-de-cabresto, o voto sob coação e a compra de votos.

      O problema todo está no fato que, pela nova lei, as urnas eletrônicas deverão guardar um arquivo digital em sua memória onde será gravado o voto digital de cada eleitor. Nesta eleição de 2004, o voto digital de cada eleitor é composto por um par de números dos candidatos (vereador/prefeito) digitados pelo eleitor.

      A lei previa que a ordem dos pares de votos vereador/prefeito, dentro do arquivo de votos, fosse embaralhada para preservar a inviolabilidade do voto, mas esta providência se revelou insuficiente diante da possibilidade do eleitor utilizar o número do candidato a vereador como um indexador do voto a prefeito.

     Assim, se o eleitor, coagido ou por vontade própria, escolher um número de vereador pouco conhecido e improvável de ter votos na sua seção eleitoral estará indicando onde estará o seu voto dentro daquele arquivo "embaralhado" de votos. Localizando a posição do voto daquele eleitor no arquivo pela verificação do número improvável de vereador, se identifica o seu voto para prefeito!

       Por exemplo, na minha cidade de Santos, SP, há em torno de 320 candidatos a vereador. É fácil escolher 30 ou 40 números de candidatos que dificilmente terão votos em dada seção eleitoral. Distribuindo estes números a eleitores que se disponham a vender o seu voto para prefeito, se pode conferir posteriormente se o voto ao prefeito foi dado como "contratado".

       Quarenta votos por seção eleitoral darão mais que 10% dos votos válidos totais. Em eleições majoritárias que se decidam por diferença menor que isso, esta versão pós-moderna do voto-de-cabresto poderá garantir a eleição de um prefeito corrupto. Como "efeito colateral" desta fraude diversos candidatos a vereador sem voto e sem compromisso com o eleitor também poderão vir a ser eleitos.

       Em São Paulo, com mais de mil candidatos a vereador, a fraude é facilitada.

       Nas eleições de 2006, com uma quantidade maior ainda de candidatos a deputado estadual, esta nova versão de voto-de-cabresto poderá facilmente ser utilizada para eleger desde deputados federais até governador.

       Durante a votação da Lei do Voto Virtual, um grupo de professores universitários e de membros do Fórum do Voto-E tentaram em vão alertar os legisladores dos riscos do voto virtual às cegas mas a aética pressão dos ministros do TSE, pedindo aos seus "réus-legisladores" que abrissem mão do seu dever de legislar, resultou a aprovação desta lei sem nenhum debate de mérito pela comunidade especializada.

       Comprado os votos dos eleitores, caberá ao candidato corrupto conseguir acesso ao tal arquivo de votos digitais.

Obs.: na realidade o candidato coator ou comprador de votos nem precisa ter acesso ao arquivo de votos digitais. Basta convencer o eleitor de que tem este acesso e a coação surtirá efeito.       A Justiça Eleitoral descobriu tardiamente, somente em maio de 2004, este problema que já estava denunciado nas páginas do Fórum do Voto-E desde outubro de 2003. Na resolução 21.744/04 do TSE, de 05 de maio de 2004, se tentou tomar medidas paliativas para contornar o problema:
  1. contrariando o previsto no projeto de lei do voto virtual, que tanto pressionaram para aprovar, os ministros do TSE decidiram não permitir acesso dos partidos e de entidades de estudo aos arquivos de votos digitais de cada urna eletrônica. O Arquivo de Votos Digitais, que segundo os autores da lei, daria maior transparência ao processo eleitoral, ganhou a classificação de "arquivo confidencial". Serão quase 400 mil arquivos confidenciais que deverão ser guardados e protegidos pela Justiça Eleitoral;
  2. decidiram que voto para candidato inexistente não seria gravado no arquivo de votos na forma como digitado pelo eleitor. O voto digitado pelo eleitor será substituído, pelo programa da urna, por um código indicativo de voto nulo.
      Esta última decisão dos ministros do TSE é grave. Primeiro porque comprova de forma indubitável que é perfeitamente viável ao programa das urnas trocar o conteúdo digitado pelo eleitor antes de gravá-lo no tal arquivo de votos. Segundo porque passa para o programa das urnas a tarefa de anular votos, tarefa esta restrita aos juízes segundo o Código Eleitoral. Os juízes receberão uma lista de votos anulados mas não poderão conferir o que de fato fora digitado pelo eleitor.

       Em agosto de 2004, mais alguns problemas de segurança em relação ao acesso a este arquivo confidencial de votos digitais foram descobertos durante a apresentação dos programas do sistema eleitoral aos partidos políticos:

  1. o programa das urnas permitia que o arquivo de votos digitais pudesse ser impresso sem maiores dificuldades MESMO NO MEIO DE UMA VOTAÇÃO;
  2. não bastassem ser quase 400 mil arquivos confidenciais a terem seu acesso restrito, são produzidas diversas cópias de cada um destes arquivos. Metaforicamente, são como se tirassem cópias clones das antigas urnas de lona com seus votos dentro. Nas urnas-e haverá duas cópias destes arquivos, uma delas no Flash-card de votação que é acessível por fora da urna. Outras cópias existirão ao longo de toda a cadeia de discos que levam das urnas aos computadores do TSE, passando por disquetes e pelos computadores dos cartórios e do TRE.
      Questionada a Justiça Eleitoral a se manifestar sobre os riscos destas inúmeras cópias descontroladas de mais quase "400 mil arquivos confidenciais" as respostas foram bastante irresponsáveis. Entre os argumentos explicando como o TSE pretende defender estes arquivos de acesso indevido pelos candidatos corruptos interessados no voto-de-cabresto pós-moderno, obteve-se:
  1. o acesso será proibido !!!
  2. o lacre das urnas (uma tirinha de papel adesivo) impede o acesso ao flash card !!!
  3. a "ampla" fiscalização dos partidos coibirá o acesso indevido !!!
      Os 3 argumentos são de uma irresponsabilidade inominável. Como se proibir a fraude e mais uma tirinha de papel fosse impedir o fraudador de atuar. Mas o terceiro argumento merece um estudo um pouquinho mais detalhado.

       Primeiro, o acesso ao arquivo confidencial de votos digitais só será tentado DEPOIS das eleições, pois antes ele nem existe. Mas, depois das eleições se encerram TODAS as atividades de fiscalização dos partidos. A nenhum partido é permitido fiscalizar absolutamente nada depois das eleições.

       E mesmo se fosse, de que adiantaria constatar que o lacre do flash card das urnas foi rompido para se obter cópias do arquivo de votos? Nada. A lei não prevê anular as eleições por este motivo. A fraude seria feita e os braços seriam cruzados.

       Segundo, é muito interessante ver os ministros do TSE e sua Secretaria de Informática terem que recorrer a "ampla fiscalização dos partidos" como salva-guarda do seu sistema eletrônico de votação tão decantado com sendo 100% a prova de fraudes, INDEPENDENTE das falhas de fiscalização.

       Se a fiscalização dos partidos fosse de fato efetiva não havia necessidade de trocar o sistema antigo do voto manual. As fraudes que lá ocorriam eram essencialmente devido à falha na fiscalização. O fiscal falhava e o mesário punha votos nas urnas, o funcionário do cartório trocava as urnas, o escrutinador trocava votos e praticava o mapismo.

       Agora, finalmente a justiça eleitoral reconhece que precisa da fiscalização para evitar fraudes, o que significa que fraudes são possíveis. Mas a fiscalização dos partidos é precaríssima. A absoluta maioria dos fiscais de partidos nem sequer tem noção dos riscos do sistema, bestializados que foram pela maciça propaganda das "urnas 100% seguras".

       E, com este acúmulo de irresponsabilidades de autoridades da Justiça Eleitoral e do Legislativo, o Brasil finalmente adentrou à era do voto-de-cabresto pós-moderno, como vaticinou o senador Crivela no dia em que votava a aprovação da lei do Voto Virtual às Cegas.

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