Em 1982, na primeira eleição direta para governador depois do regime militar, Leonel Brizola, ao voltar do exílio, se candidatou a governador do Rio. O SNI, que hoje se chama ABIN; uma parte importante da Justiça Eleitoral, que contratou uma empresa de computação chamada Proconsult; uma parte da Polícia Federal; e as Organizações Globo, através da televisão, do jornal e da rádio - todas essas instituições, através de um instrumento chamado "diferencial delta", que consistia em pegar no computador votos para o Brizola, especialmente na Baixada Fluminense e na zona oeste do Rio, e convertê-los em votos brancos e nulos, se organizaram para fraudar a eleição. A tinha como objetivo impedir a eleição de Brizola e eleger o candidato dos militares, o então deputado federal Moreira Franco. A operação levaria a um impasse entre a apuração dessa empresa, a Proconsult, e apurações alternativas, como a apuração feita pela Rádio Jornal do Brasil, que o Jornal do Brasil usava.
Foi essa a primeira vez em que se usou o computador numa eleição brasileira - aí, no caso, para totalizar os votos contados manualmente.
O objetivo da fraude era criar um impasse que ser arbitrado pela Justiça Eleitoral. E a Justiça Eleitoral daria a vitória ao candidato dos militares. Isso não é uma especulação irresponsável. Sabemos o que aconteceu em 2000, nos Estados Unidos, quando houve um impasse entre vários tipos de apuração, e uma emissora de televisão, a FOX, saiu na frente, e disse que George Bush ganhara a eleição no estado da Florida. As outras emissoras foram atrás e disseram que o Bush ganhou a eleição. Criou-se o fato consumado. Depois de instâncias e instâncias de decisão judicial, a Suprema Corte decidiu, com juízes da maioria republicana, dar a vitória ao candidato George Bush.
Recontagens muito posteriores demonstraram que Bush não ganhou na Florida.
Aqui, o papel da TV Globo era o mesmo da Fox: produzir um "já ganhou" e preparar a opinião pública para a vitória do candidato dos militares.
Desde a eleição de 1982, Leonel Brizola defendeu a tese do "cadê o papelzinho?". Cadê o papelzinho ? O que Brizola queria dizer naquela linguagem rústica de engenheiro formado em Porto Alegre, mas que usava uma linguagem de agricultor do interior do Rio Grande do Sul - ele preservava isso provavelmente por motivos políticos -, Brizola dizia que, sem o papelzinho, a eleição não pode ser recontada. Muito se disse que o Brizola era jurássico, era pré-paleocênico.
Não é verdade.
Não há nenhuma possibilidade de se conferir uma eleição no computador, se não houver o papelzinho; se não houver a contraprova física do voto que o eleitor deu.
Sobre a eleição para governador do Rio, em 1982, recomendo o livro que escrevi com Maria Helena Passos, pela editora Conrad: "Plim-Plim - A Peleja de Brizola contra a Fraude Eleitoral".
Sobre como fraudar eleições no Brasil - e evitar que isso aconteça - recomendo este livro de Amílcar e Maria Aparecida, mestres na matéria e incansáveis batalhadores pela verdade do voto, no Brasil.
Porque, não se esqueça do "papelzinho". Ou, como disse o professor Jorge Stolfi, ilustre catedrático de Ciência da Computação da Universidade de Campinas, num recente seminário na OAB de São Paulo: "Hoje, quando você vota no computador no Brasil, tudo o que você faz é entregar o seu voto ao arbítrio do programador do software daquela apuração".