1. Introdução sobre o Relatório do TSE
Ao longo de 2007 e 2008, a comissão CCJC da Câmara dos Deputados produziu dois estudos - o Relatório CCJC 2007 e o Relatório CCJC 2008 - sobre a questão do voto eletrônico.
Em março de 2009, foi criado o Comitê “Multidisciplinar” do TSE (CMTSE) para “analisar as sugestões apresentadas no Relatório da Subcomissão Especial do Voto Eletrônico da CCJC da Câmara dos Deputados”.
O comitê do TSE foi coordenado pelo Secretário de TI do TSE, Sr. Guizeppe Janino, que convidou o prof. Ricardo Dahab da UNICAMP, o prof. Mamede Lima-Marques da UnB e os pesquisadores Antônio Montes Fº e Amândio Balcão Fº, do CTI vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, como compor seu "grupo acadêmico".
Em maio de 2009, o Relatório do CMTSE foi apresentado formalmente aos Deputados de CCJC.
Apresenta-se, a seguir, as impropriedades formais e as inveracidades de mérito que se encontra no Relatório do CMTSE.
2. As Impropriedades Formais do Relatório do TSE
- Comitê "Multidisciplinar"
Embora denomine-se "Comitê Multidisciplinar", este grupo do TSE é totalmente formado por teóricos da área de Tecnologia da Informação.
Não há, entre eles, representantes da área do Direito. Isso reduziu a abrangência da análise do CMTSE, levando à omissão em importantes questões citadas nos Relatórios CCJC que sobrepujam sua área tecnológica estrita, como, por exemplo, o comprometimento do Princípio da Tripartição de Poderes e do Princípio da Publicidade com a informatização do processo eleitoral brasileiro.
Também, é marcante, no CMTSE, a ausência de fiscais externos ao TSE - representantes dos partidos políticos, da OAB ou do Ministério Público – que pudessem contribuir com uma visão externa sobre as dificuldades que as entidades fiscais do sistema eleitoral encontram para exercer, na prática, essa função.
Essa ausência de fiscais externos com experiência prática constituiu uma lacuna marcante, que levou o CMTSE a conhecer apenas a visão teórica do administrador eleitoral.
Por isso, o uso de aspas ao citar-se o Comitê “Multidisciplinar” do TSE, já que todos seus componentes são técnicos da área de TI sem experiência prática na fiscalização do voto eletrônico, descaracterizando a ideia de grupo multidisciplinar real.
- O Objeto da Análise
Como já dito, a CCJC da Câmara dos Deputados produziu dois relatórios sobre o processo eleitoral e o Comitê “Multidisciplinar” do TSE foi criado explícitamente para “analisar as sugestões apresentadas no 'Relatório da Subcomissão Especial do Voto Eletrônico da CCJC da Câmara dos Deputados'”, que é exatamente título do Relatório CCJC 2007.
Esse Relatório CCJC 2007 tem escopo abrangente, abordando temas técnicos, econômicos e jurídicos como a concentração de poderes, as verbas para fiscalização, o uso de software aberto e o voto em trânsito.
Já o Relatório CCJC 2008 tem escopo mais restrito, ficando centrado em duas questões: a impressão do voto para auditoria da apuração e a separação entre a máquina de identificar o eleitor e a máquina de votar.
A portaria que criou o CMTSE cita literalmente o título do Relatório CCJC 2007 e denomina o comitê como multidisciplinar, sugerindo que esse seria o seu relatório-alvo.
No entanto, no Capítulo 3 do Relatório do TSE, ao descrever o conteúdo do relatório analisado, se aponta para o Relatório CCJC 2008.
Desta forma, por não reconhecer a existência de dois relatórios e ao citar o título de um e o conteúdo do outro, o Comitê do TSE não deixa claro e explícito qual dos relatórios da CCJC é o objeto de sua avaliação.
Trata-se de um evidente erro de forma na especificação do seu objeto - item preliminar essencial - que descredencia do nível acadêmico, implícito na escolha dos autores indicados, o Relatório do TSE.
- A Representatividade do CMTSE
Por ocasião da entrega do Relatório CMind ao presidente do TSE, o coordenador do CMTSE, sem melhores argumentos para apresentar, tentou recorrer ao "argumento da autoridade", afirmando que os professores membros do seu grupo seriam indicados pelos reitores e representariam as universidades a que pertencem (UNICAMP e UnB), o que, ainda segundo o coordenador do CMTSE, os diferenciava em representatividade dos membros do CMind.
No entanto, desmentindo o coordenador do CMTSE, se verifica que é pratica corrente nas universidades de grande renome, que seus professores recebam autorização dos reitores para prestarem serviços externos, mas ressaltando que os serviços prestados e relatórios apresentados são de exclusiva responsabilidade do servidor, não representando a opinião da universidade.
Em especial na UNICAMP existe a deliberação CAD-A-4 do Conselho Universitário da UNICAMP que é explícita em afirmar, em seu artigo 1º, o seguinte:
Artigo 1º - Os servidores que, devidamente autorizados, emitirem parecer decorrente de convênios, contratos, consultorias, assessorias, perícias, ensaios e análises, deverão fazer constar na página de rosto do relatório resultante a frase: "O conteúdo e as conclusões aqui apresentados são de responsabilidade exclusiva do(s) autor(es) e não representam a opinião da Universidade Estadual de Campinas nem a comprometem".
O membro do CMTSE e professor da UNICAMP, prof. Ricardo Dahab, ignorou a deliberação do seu Conselho Universitário e não fez contar nenhuma ressalva nesse sentido no Relatório do TSE que assinou, desrespeitando seus pares e, principalmente, desrespeitando aos Deputados Federais a quem o relatório foi entregue formalmente.
Já os membros do CMind, incluindo o prof. Jorge Stolfi da UNICAMP, em respeito aos leitores e às instituições nas quais trabalham, fizeram constar, na introdução do seu relatório, a ressalva de que "NENHUM DOS AUTORES FALA EM NOME DA ENTIDADE EM QUE TRABALHA OU PRESTA SERVIÇOS".
3. As Inveracidades de Mérito no Relatório do TSE
O principal argumento apresentado pelo CMTSE para justificar o uso de urnas eletrônicas sem voto impresso foi apresentado na Seção 3.2 do seu relatório, onde está especificamente dito:
“... relevantes estudos1 advogam a tese de que todos os sistemas eletrônicos de votação em uso têm deficiências, mas que cada sistema é passível de medidas de mitigação dos riscos em cada caso. Desta forma, escolhida uma das tecnologias, há que se atentar para as salvaguardas como custo necessário da opção feita. Isso se aplica no caso brasileiro também, cujo sistema é do tipo conhecido como DRE (Direct Recording Electronic), sem impressão do voto.
1 Brennan; Voluntary Voting System Guidelines Recommendations to the Election Assistance Commission AUGUST 31, 2007).”
(sic)
Essa referência bibliográfica (1), acima, está incompleta e ambígua mas parece apontar para dois estudos diferentes, ambos relevantes:
- Relatório Brennan
- Norden L.D. et al. - The Machinery of Democracy: protecting elections in an electronic world. New York: Brennan Center of Justice, NYU, 27/06/2006
- Diretrizes VVSG-2007
- Voluntary Voting System Guidelines. USA: U.S. Election Assistance Commission, 31/08/2007
No sumário executivo do Relatório Brennan se encontram as seguintes colocações:
"VULNERABILIDADES DOS SISTEMAS DE VOTAÇÃO
Depois de uma revisão de mais de 120 ameaças a sistemas de votação, a Força-Tarefa chegou às conclusões cruciais a seguir: ...
Máquinas de votar DRE sem voto impresso não contam com uma poderosa medida para impedir ataques de software: as rotinas de auditoria automáticas pós-eleição que comparem os registros do voto em papel com os registros eletrônicos.
RECOMENDAÇÕES DE SEGURANÇA
1. Efetuar Auditorias Automáticas de rotina comparando os Votos Impressos Conferíveis pelo Eleitor com os Registros Eletrônicos após cada eleição."
Ao contrário do citado pelo Comitê do TSE, o Relatório Brennan literalmente declara que a principal salvaguarda apropriada para máquinas de votar do tipo DRE é o uso do Votos Impressos Conferíveis pelo Eleitor em auditorias de rotina sobre a apuração.
Portanto, o conteúdo do Relatório Brennan NÃO CORROBORA o argumento do Comitê do TSE que o citou.
Também nas Diretrizes VVSG, máquinas DRE sem voto impresso são explicitamente rejeitadas. Logo no cap. 2.4 da introdução da VVSG-2007 temos escrito (tradução nossa):
“Intro: 2.4 Independência do Software
... Todo sistema [eletrônico] de votação precisa permitir auditoria independente do próprio software para estar conforme com estas diretrizes...
Um exemplo de um sistema que é dependente do software é o modelo DRE [das urnas brasileiras], que não está conforme com estas diretrizes.”
Também está evidente que, AO CONTRÁRIO DO CITADO PELO CMTSE, as Diretrizes VVSG explicitamente descredenciam o uso de máquinas de votar DRE sem voto impresso.
Em resumo, os dois relevantes estudos apontados pela referência ambígua do Comitê do TSE afirmam exatamente o oposto ao citado.
Indicar obra de grande renome como referência bibliográfica, cujo conteúdo é literalmente oposto ao citado, para emprestar crédito a ponto de vista polêmico que se pretende defender, é vício que retira toda credibilidade do Relatório do Comitê “Multidisciplinar” do TSE e do seus autores.
Tão grave atitude tem o potencial de até macular a imagem da Justiça Eleitoral, pois esse relatório, com tais inveracidades, foi formalmente entregue aos Deputados da CCJC como sendo a palavra oficial do TSE, e também poder vir macular as imagens das demais instituições as quais seus autores estão profissionalmente vinculados, a saber: o CTI do Ministério de Ciência e Tecnologia, a UnB e a UNICAMP.