1. Introdução
O Comitê Multidisciplinar Independente e o Partido Democrático Trabalhista (PDT) enviaram o Eng. Amílcar Brunazo Filho como observador externo da eleição municipal realizada em 10 de outubro de 2011 na Ciudad de Resistencia, capital da Província del Chaco na Argentina, para conhecer e avaliar o desempenho de um novo sistema de voto eletrônico de 3ª geração que foi utilizado.
Do observado destaca-se que a totalização completa dos votos ocorreu em apenas 2:15 h e, especialmente, que a transparência eleitoral é a principal diferença no uso do voto eletrônico na Argentina e no Brasil, pelas seguintes características:
- O eleitor argentino pode conferir e até refutar o registro digital do seu voto, antes de deixar o local de votação, de forma simples e direta.
O eleitor brasileiro não pode - no Brasil, o conteúdo do registro digital do voto é secreto até para o próprio eleitor, pois não lhe é permitido ver ou conferir o que nele foi gravado.
- Os fiscais de partido na Argentina podem conferir a apuração do voto eletrônico, verificando a integridade de cada registro de voto e assistindo sua contagem.
O fiscal eleitoral brasileiro não pode - no Brasil, a apuração dos votos eletrônicos é secreta para o fiscal brasileiro, já que não lhe é permitido acompanhar e conferir a contagem dos votos.
- É plena a colaboração das autoridades eleitorais argentinas de todos os níveis para com a fiscalização, agregando segurança e confiabilidade ao processo eleitoral.
2. Comparação do Voto Eletrônico na Argentina e no Brasil
As caraterísticas observadas no equipamento de votação argentino propiciam significativo incremento da transparência eleitoral quando confrontadas com as urnas eletrônicas brasileiras.
As quatro tabelas a seguir comparam as principais diferenças sob aspectos conceituais e práticos para o eleitor e para a fiscalização, que se observa em eleições eletrônicas na Argentina e no Brasil:
Tab. 1 – Conformidade com Aspectos Conceituais |
Princípio ou Conceito |
Máquina Vot-Ar argentina |
Urna Eletrônica brasileira |
Princípio da Publicidade
Conforme jurisprudência da Corte Constitucional Federal da Alemanha
- Eleitor pode conferir, de forma simples, o conteúdo do registro digital do
seu voto, antes de deixar o local de votação
- Fiscal externo pode acompanhar e conferir a contagem dos votos
de cada mesa eleitoral
- Fiscal externo pode verificar consistência entre os diversos registros de um voto
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Sim
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Não
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Princípio da Inviolabilidade do Voto
Garantia contra quebra sistêmica do sigilo do voto
causada por erro não detectado no software
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Sim |
Não 1 |
Princípio “um eleitor, um voto”
O eleitor só consegue votar uma única vez,
com a devida anuência do mesário
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Sim |
Sim |
Princípio da Independência de Software em Sistemas Eleitorais
Uma modificação ou erro não-detectado
no software não pode causar uma modificação ou erro indetectável
no resultado da apuração
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Atende |
Não Atende |
Norma Técnica Voluntary Voting System Guidelines
Seção 7.8 Independent Verification Systems”
Ao menos dois registros do voto devem ser produzidos e um deles deve ser guardado em meio que não possa ser modificado pelo sistema (eletrônico) de votação
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Conforme
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Não Conforme
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Notas
- Apenas as urnas eletrônicas brasileiras são exceção em todo o mundo e não propiciam esta garantia, pois nelas a identificação digital do eleitor é fornecida para o equipamento no mesmo momento em que este recebe o voto do eleitor. Dessa forma, pode ocorrer a violação sistêmica do voto por "erro" no software, por exemplo, se este registrar a sequência de teclas digitadas pelo mesário e pelo eleitor num arquivo do tipo keylogger.
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Tab. 2 – Aspectos da Usabilidade para o Eleitor |
Conceito |
Máquina Vot-Ar argentina |
Urna Eletrônica brasileira |
Eleitor pode escolher um equipamento livre para votar,
não tendo que esperar que um eleitor anterior lento complete seu voto |
Sim
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Não
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Ocorrência de filas longas para votação |
Não |
Sim 1 |
Eleitor pode escolher o equipamento para conferir o voto |
Sim |
Não |
Eleitor pode escolher ordem dos cargos a votar |
Sim |
Não |
Eleitor pode votar pelo nome ou foto do candidato |
Sim |
Não |
Eleitor pode refazer o voto antes deste ser registrado |
Sim |
Não |
Eleitor pode conferir o conteúdo do Registro Digital
do seu voto antes de deixar o local de votação |
Sim |
Não |
Eleitor pode refutar o Registro Digital do seu voto
antes de deixar o local de votação e reinicializar a votação |
Sim |
Não |
Adaptação para plebiscitos, referendos e outras consultas -
disponibilidade de opções "sim", "não" ou outras mais específicas para escolha pelo eleitor |
Sim |
Não 2 |
Voto de Protesto sem afetar resultado ou o coeficiente eleitoral |
Sim |
Não |
Notas
- Com o uso das urnas brasileiras, a identificação digital de um eleitor e sua autorização para votar só pode começar a ser processada depois que o eleitor anterior completar o seu voto, provocando o surgimento e aumento das filas.
- Nesse aspecto a urna brasileira não é nada amigável. No plebiscisto no Estado do Pará, em 11/dez/2011, o eleitor tinha que digitar "77" se quisesse responder "sim" à consulta ou digitar "55" se quisesse votar "não".
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Tab. 3 – Operacionalidade e Logística |
Conceito |
Máquina Vot-Ar argentina |
Urna Eletrônica brasileira |
Preparação simplificada - sem inseminação individual de programas
e dados diferentes para cada máquina |
Sim |
Não |
Quantidade de lacres de alta segurança (e alto custo) necessários,
em cada máquina, para garantia de inviolabilidade do software em operação |
Zero |
Cinco |
Logística de guarda e
de distribuição – custos menores |
Mais simples, custos menores |
Mais complexa e cara |
Distribuição matricial de equipamentos e mesas
- filas de votação menores – necessidade de menos fiscais |
Sim |
Não |
Manutenção e retomada da votação em caso de pane |
Simples e rápida |
Burocrática e demorada |
Recuperação de dados – no caso de travamentos |
Desnecessária |
Necessária |
Tab. 4 – Fiscalização e Segurança do Voto Eletrônico |
Conceito |
Na Argentina |
No Brasil |
Eleitor pode conferir o conteúdo do Registro Digital
do seu voto antes de deixar o local de votação
- detecção de inconsistência na gravação do voto 1 |
Sim |
Não |
Possibilidade de fiscalização da apuração e de auditoria independente
a partir de votos conferidos pelo eleitor |
Sim |
Não |
Verificação da Assinatura Digital do software feita em equipamentos
sob controle do fiscal |
Sim |
Não 2 |
Solução de inconsistência nos Registros do Voto |
Simples |
Impossível |
Garantia que erros não detectados no software não possam produzir
erros indetectáveis na apuração |
Sim |
Não |
Garantia contra quebra sistêmica do sigilo do voto causada
por erro não detectado no software |
Sim |
Não 3 |
Mesários podem anular, remotamente, votos ainda não dados por eleitores lentos
(o voto é “completado” pelo mesário) |
Não |
Sim |
Tempo, depois de encerrada a votação, para a publicação na Internet,
dos resultados por mesa para efeito de fiscalização da Totalização |
2:15 h (em 2011) |
45:45 h (em 2010) 4 |
Notas
- Refere-se a possibilidade do conteúdo do voto ser modificado depois de visto na tela pelo eleitor mas antes de ser gravado em meio digital.
- Nas urnas brasileiras só é permitido uma auto-verificação das assinaturas digitais do software, isto é, é o software do equipamento sob análise que verifica sua própria assinatura digital. A verificação independente de assinaturas pelos fiscais - em equipamento sob controle destes - nunca foi permitida pela autoridade eleitoral brasileira.
- Apenas as urnas eletrônicas brasileiras são exceção em todo o mundo e não propiciam esta garantia, pois nelas a identificação digital do eleitor é fornecida para o equipamento no mesmo momento em que este recebe o voto do eleitor. Dessa forma, pode ocorrer a violação sistêmica do voto por causa de "erro" no software, por exemplo, com este registrando a sequência de teclas digitadas pelo mesário e pelo eleitor num arquivo do tipo keylogger.
- Em 2010, a votação oficial, no Brasil, encerrou-se às 17 h do dia 03/10/2010 e os resultados por seção eleitoral só foram publicados pelo TSE às 13:45 h do dia 05/10/2010.
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3. Comentários
Envie seus comentários por email para comentarios-argentina@votoseguro.org
- "O equipamento argentino é muito superior às urnas eletrônicas brasileiras em modernidade e transparência eleitoral"
Amilcar Brunazo Filho
- "Colaboração em todos os niveis entre autoridades e fiscais é a marca da eleição eletrônica na Argentina"
Maria Aparecida Cortiz
- "Comparar as urnas argentinas com as brasileiras é o mesmo que querer comparar os Pumas (seleção argentina de rugbi) com a seleção brasileira: a deles ganha de goleada!!!"
Roger Chadel
- "Perto da urna argentina, a urna brasileira parece um telefone de teclado ao lado de um smartphone ou tablet"
Ingrid Zamboni
- "Parodiando Collor: a urna eletrônica brasileira é uma carroça"
Raul Takahashi
4. Características do Processo Eleitoral Argentino
Na Argentina, assim como no Brasil, o voto é obrigatório, porém, existem algumas diferenças significativas na organização das eleições, tais quais:
- eleições dispersas, não realizadas numa só data
- desconcentração do controle executivo, normativo e judiciário
- apuração do voto eletrônico na presença de fiscais, propiciando maior transparência
As eleições municipais e provinciais (estaduais) na Argentina ocorrem sob controle de órgãos locais, que marcam as eleições em dias diferentes ao longo do ano. Apenas as eleições presidenciais, como a de 23/out/2011, ocorrem no mesmo dia em todo o país e sob controle de órgãos federais.
Por essa particularidade, no dia 09/out/2011 houve eleições municipais na cidade de Resistencia, capital da Provincia Del Chaco, sob organização da Unidad de Enlace Electoral da Municipalidad de Resistencia e do Tribunal Electoral de la Provincia Del Chaco, onde foram utilizadas as máquinas eletrônicas de votação Vot-Ar argentinas.
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Presidente da Mesa iniciando o software de apuração numa máquina argentina, na presença de três fiscais de partidos |
- Transparência Total na Contagem dos Votos
Uma característica diferencial observada é que a apuração dos votos é feita pelos próprios mesários, em cada mesa (seção) eleitoral logo após encerrada a votação, como ilustra a foto ao lado.
A apuração se deu pela contagem dos votos registrados em "Cédulas Eletrônicas de Voto", na presença dos fiscais de partidos que podiam ver o conteúdo de cada voto contado, conferindo total transparência à essa etapa.
Os resultados da apuração de cada mesa eleitoral – que no Brasil são denominados por Boletins de Urna - foram, então, enviados pela Internet (com protocolo de segurança SSL) para a central de totalização, onde se realiza a totalização dos votos.
Os fiscais dos partidos recebiam uma cópia do boletim de urna impresso e também gravado em meio digital na própria seção eleitoral e outra cópia na central de totalização, onde esses resultados por mesa são disponibilizados imediatamente na Internet. Dessa maneira, os fiscais podem facilmente conferir se a transmissão de dados ocorreu sem erros.
O resultado final da apuração, transmissão e totalização foi divulgado oficialmente às 20:15 h, apenas 2:15 h depois de encerrada a votação. Dois dias depois, uma nova totalização foi realizada para incluir os casos julgados de impugnações.
Em resumo, mesmo fazendo a apuração voto a voto na frente dos fiscais - de maneira muitíssimo mais transparente do que no Brasil - os argentinos conseguem encerrar a totalização mais rápidos do que nós.
O tempo que eles gastam contando os votos na presença dos fiscais, eles ganham, com sobras, na transmissão dos resultados das mesas para a central pela Internet (no Brasil, esses resultados de cada mesa são transportados a mão, gravados em disquetes ou pen-drives, pelos mesários).
5. Características das Máquinas Vot-Ar
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Equipamento eleitoral MSA Vot-Ar, com valise aberta |
O equipamento Vot-Ar é montado numa valise monobloco, com fonte de alimentação no-break, com tela tátil quatro vezes maior que a tela das urnas brasileiras, com leitora de discos CD e com uma impressora/leitora das Cédulas Eletrônicas de Voto. A tampa da valise, quando aberta serve de anteparo para a tela-teclado.
O equipamento Vot-Ar não possui teclado, não possui Terminal do Mesário e não possui memória de dados interna não-volátil (hard-disk ou flash-cards), isto é, quando desligado não tem capacidade de armazenar votos ou a identificação do eleitor e, nesse sentido, é um aparelho eletrônico de votação mas não cabe denominá-lo como urna eletrônica.
5.1 As Cédulas Eletrônicas de Voto (CEV)
Os votos são gravados individualmente em chips eletrônicos embutidos nas Cédulas Eletrônicas de Voto que também recebem a impressão do voto para conferência pelo eleitor, como ilustram as imagens seguintes.
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Cédula Eletrônica de Voto, tamanho real aproximado de 10x25 cm |
Chip RFID de memória embutido na CEV, acionado por radio-frequência |
Impressora da CEV e Leitora do Chip RFID incluída na valise |
Cada Cédula Eletrônica de Voto – originalmente chamadas de Boleta de Voto Electrónico (BVE) – é composta de:
- uma face superior de papel cartão com dados e instruções impressas
- uma face inferior de papel térmico para receber o Registro Impresso do Voto
- um chip RFID de memória, embutido, para receber o Registro Digital do Voto
- uma etiqueta numerada bipartida e destacável, para impedir o “voto-carreirinha”
O custo unitário atual da CEV está aproximadamente em US$ 0,50 (cinquenta centavos de dólar), mas o fornecedor estima chegar a US$ 0,10 (dez centavos de dólar) com a economia de escala.
O procedimento de votação é o seguinte:
- o eleitor se identifica perante a mesa e recebe uma CEV virgem
- escolhe a máquina para compor e gravar o seu voto
- insere a CEV na leitora/impressora para liberar o início da votação
- monta o voto na tela, confirma e grava o voto na CEV, em via eletrônica e em via impressa
- se quiser, pode conferir, em outra máquina, o conteúdo gravado na CEV
- dobra a CEV (para esconder o conteúdo impresso) e a deposita numa urna de papelão lacrada que está à vista dos mesários e dos fiscais
A concepção da Cédula Eletrônica de Voto, contendo simultaneamente o Registro Digital e o Registro Impresso do Voto, é uma solução inédita que atende princípios jurídicos, normas técnicas e conceitos tecnológicos internacionalmente reconhecidos e estabelecidos, tais como:
Nenhuma dessas condições acima são atendidas pelas urnas eletrônicas brasileiras.
5.2 Prova Contra Tese do STF na ADI 4543
Em 19 de outubro de 2011, dez dias após a eleição observada em Resistência, o Supremo Tribunal Federal do Brasil – STF – decretou, na ADI 4543, a suspensão cautelar da vigência do Art. 5º da Lei 12.034/2009, que previa para 2014 a migração das urnas eletrônicas brasileiras da 1ª para a 2ª geração de equipamentos eleitorais.
A decisão do STF acatou os seguintes argumentos:
- a impressão do voto para conferência do eleitor, prevista pela lei, iria provocar quebra do Princípio da Inviolabilidade do Voto
- a proibição da identificação do eleitor no mesmo equipamento em que vota, também prevista pela lei, iria provocar quebra da regra constitucional “um eleitor, um voto”, pois deixaria o mesário sem controle do equipamento de votação, permitindo inúmeras repetições do voto pelo mesmo eleitor.
A matéria tratada na ADI 4543 vem sendo questionada em vários países e, em sendo instada a se manifestar, a
Corte Constitucional Federal da Alemanha, em março de 2009, havia criado
jurisprudência mundial contrária a do STF, ou seja, estabeleceu que
são as urnas eletrônicas do tipo que não permitem ao eleitor ver e conferir o conteúdo do registro digital do seu voto que seriam inconstitucionais por desrespeitarem o Princípio da Publicidade.
Esse conflito absoluto entre as decisões das cortes constitucionais alemã e brasileira é totalmente esclarecido e solucionado pela observação do sistema de votação Vot-Ar argentino que:
- cria um registro impresso do voto conferível pelo eleitor, mas não provoca quebra do Princípio da Inviolabilidade do Voto
- não aceita nenhum dado de identificação do eleitor e não oferece ao mesário nenhum controle sobre seu processo interno de votação mas, ainda assim, mantem integro o respeito à regra constitucional “um eleitor, um voto”.
Dessa forma, o equipamento eleitoral argentino constitui uma prova material contra os argumentos acatados pelo nosso STF.
Para entender porque a corte constitucional brasileira divergiu tão radicalmente da congenere alemã, a ponto de desconsiderar a jurisprudência desta e até ignorar prova material concreta, há que se considerar uma diferença fundamental entre os membros dessas duas cortes.
Os juízes da corte constitucional alemã cumprem apenas a função judicante, sendo de fato isentos e podendo ser imparciais quando julgam matéria de cunho administrativo eleitoral.
Já os juízes do nosso STF acumulam também a função de administradores eleitorais no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), fragilizando a desejada a imparcialidade nessa área. Ao julgar matéria administrativa sobre urnas eletrônicas, os membros do STF acabam sendo parte e juízes no mesmo processo.
E, aparentemente, eles não souberam evitar essa impropriedade no direito aplicado. Uma análise atenta do voto vencedor (e unânime) na ADI 4543 revela que prevaleceu apenas o ponto de vista do administrador eleitoral brasileiro - ou seja, deles próprios como parte do processo - tendo sido desconsiderados ou ignorados todos os argumentos contrários como a jurisprudência alemã, as provas materiais e pareceres de quatro Professores Titulares da área de computação.
Com o equipamento argentino prestando provas materiais claras contra seus argumentos, não há outra forma de explicar o aparente “error in judicando” dos ministros do STF, a não ser que, contrariando princípio “nemo iudex in causa sua”, julgaram em causa própria e deixaram contaminar seus votos com a parcialidade e interesses de sua função administrativa.
* Maria Aparecida Cortiz, advogada eleitoral, é membro do Comitê Multidisciplinar Independente e é Representante do PDT junto ao TSE
Amílcar Brunazo Filho, engenheiro, é membro do Comitê Multidisciplinar Independente, é Representante Técnico do PDT junto ao TSE e é coordenador do Fórum do Voto-E na Internet