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O Mito do Obscurantismo
no Voto Eletrônico
Amilcar Brunazo Filho
Abril de 2002
Artigos e Textos do
Voto Eletrônico
Há 400 anos, no bojo do Renascimento, nascia a Ciência Moderna com Galileu, Bacon, Descartes e Leibinitz, que atingiu seu apogeu com Newton (Teoria da Gravitação) e Darwin (Teoria da Evolução). Neste meio despontou a Revolução Francesa, na qual se construiu o conceito de Democracia Moderna e, dentro deste, o direito do voto universal com justa apuração.

Com visível orgulho, desde então se proclamava a Era do Iluminismo, do saber científico que punha fim aos mitos que sempre permearam todas as culturas anteriores, fossem estas grandes ou pequenas.

No século XX, explodiu o desenvolvimento científico, que afetou profundamente a cultura e organização social a ponto de se poder identificar uma nova era. Arraigado na cultura do terceiro milênio, tem predominado o sentimento de que vivemos hoje a Era da Tecnologia, caracterizada principalmente pelo domínio da Física Atômica-Nuclear, da Engenharia Genética e da Tecnologia de Informação.

Será correto este sentimento de "acabaram-se os mitos"?

Na Cultura Clássica Grega emergiu o conceito de Filosofia e também o de Ciência, mas entranhado lá estava a rica Mitologia Grega. Mas não era claro nem imediato a separação entre estas "classes" culturais. Pitágoras, que qualquer estudante do curso primário sabe ter sido um matemático é também considerado filósofo, patrono das Escolas dos Pitagóricos e dos Neo-Pitagóricos, e tem toda sua história envolvida em mitos como o de ser um filho de Apolo, o Uno, e de ter seu nascimento e grandeza preditos pelo Oráculo de Delfos.

Certamente para quem vivia naquela época não era clara nem imediata a separação que hoje fazemos entre Filosofia, Ciência e Mitologia.

E nós? Será que conseguimos enxergar com clareza a diferença entre a ciência e a mitologia modernas?

Muitos dizem que sim. Alguns dizem que não.

Muitos entendem que mito é algo que tem a ver com crença de natureza religiosa. Mas o MÍTICO não é necessariamente o mesmo que MÍSTICO, este sim ligado a religiosidade ou "referente a vida espiritual e contemplativa" (Aurélio Buarque de Holanda Ferreira).

Em seus recentes artigos entitulados "Informática, Panacéia e arma" publicados no Jornal do Commércio, o Professor de Criptologia da Universidade de Brasília, Pedro Rezende, nos alerta para a existência dos mitos modernos e destaca alguns daqueles ligados à área da Tecnologia da Informação (TI).

Desenvolvemos, a seguir, uma análise sobre um destes mitos modernos que se entranhou no processo eleitoral brasileiro e lá tem causado confusões e maus julgamentos.

Trata-se do Mito da Confiança por Obscurantismo, que diz que

"quanto menos pessoas conhecerem os detalhes de um processo, menor a chance deste processo ser propositadamente deturpado"

É um mito muito antigo que já estava presente na Cultura Egípcia que floresceu dois milênios antes da Clássica Grega. Lá, o Faraó detinha o poder absoluto e o exercia através de uma estrutura política na qual se encontrava organização similar aos nossos Ministério da Forças Armadas, Ministério da Fazenda e Ministério da Ciência e Tecnologia, este último sob controle dos então chamados "sacerdotes".

Sim, eram os sacerdotes também os cientistas de então. Foram eles que impulsionaram o desenvolvimento da trigonometria, da química e da medicina. Todo conhecimento que desenvolviam era aplicado na sociedade, mas também era mantido secreto sob argumentos míticos e místicos que, na realidade, visavam eternizar o poder nas mãos dos mesmos grupos.

Assim, as técnicas para cálculo das terras aráveis, para controle da produção agrícola e para a cura de doenças e epidemias eram mantidas secretas com explicações tais como: "são conhecimentos mantidos secretos para evitar o seu mau uso por aqueles que não são os verdadeiros representantes de Rá", doutrina esta que desembocou no hermetismo (de Hermes Trimegisto), que reserva o conhecimento apenas aos "iniciados".

Pode parecer estranho a alguns, mas é exatamente esta doutrina, inspirada no Mito da Confiança pelo Obscurantismo, que foi adotada pelos idealizadores da informatização do processo eleitoral brasileiro.

Por exemplo, vejam as palavras do Ministro Waldemar Zveiter, do TSE, ao negar o pedido liminar do PDT, que protestava pelo fato do TSE, contrariando a Lei, manter secretas grandes partes dos programas utilizados no sistema eleitoral de 2000

"Acrescento que a restrição de acesso a segurança do sistema eleitoral não denota falta de confiança nos integrantes das agremiações políticas, antes demonstra uma preocupação com a própria segurança, pois é fato que menos pessoas tiverem acesso a tais informações, menor a possibilidade de vulneração e risco à segurança das eleições como afirmado na resolução atacada. Assim, por não vislumbrar a plausibilidade do direito pleiteado, indefiro a liminar requerida" (grifo nosso)

Apelou, o Min. Zveiter, explicitamente ao Mito da Confiança pelo Obscurantismo para tentar justificar porque o TSE não cumpre o art. 66 da Lei 9.504/97 que estabelece o direito amplo de fiscalização aos partidos políticos inclusive tendo "garantido o conhecimento antecipado dos programas de computador a serem usados" no sistema informatizado eleitoral.

Mas por que o chamamos por mito? Não está correto o raciocínio do ministro do TSE?

A resposta é NÂO, e é fácil explicar. O risco de fraude depende de vários fatores, entre eles

Risco 1 - A quantidade de pessoas habilitadas ao ataque;
Risco 2 - A facilidade e impunidade encontrada pelo potenciais atacantes.

A técnica de avaliação de riscos de falhas contra a segurança de sistemas manda atribuir a cada risco identificado um Probabilidade de Ocorrência. Combinando-se estas probabilidades de cada risco se obtém o Probabilidade Geral de Falha na Segurança do Sistema.

O raciocínio do Min. Zveiter é que mantendo as informações sobre as vulnerabilidades do sistema em sigilo dentro de um grupo fechado diminui o risco 1 e, por conseqüência, a probabilidade geral de fraude.

É um raciocínio simplório e errado porque deixou de considerar os efeitos cruzados do sigilo nos demais riscos. O sigilo diminui o risco 1 mas aumenta consideravelmente o risco 2 e a conjunção destes dois riscos pode chegar quase à certeza de fraude.

Reduzir a quantidade de pessoas habilitadas ao ataque, NUNCA REDUZ O RISCO À ZERO, já que os componentes deste grupo sempre estarão habilitados a quebrar a segurança do sistema. Mesmo que todo o segredo do sistema eleitoral seja detido por uma única pessoa, se este nunca tiver que mostrá-lo a ninguém, é altíssima a probabilidade deste sistema ser fraudado.

Note-se que a certeza de se estar protegido pelo manto do obscurantismo é um forte estímulo para que pessoas do grupo que detém as informações sobre sistema, e consequentemente sobre suas vulnerabilidades, decidam atacar e fraudar o sistema.

Vejam o exemplo conhecido como Painel do Senado, cuja confiabilidade era mantida pela restrição de acesso ao sistema num grupo bem reduzido. Pois bem, quando a oportunidade surgiu, os superiores hierárquicos deste grupo simplesmente impuseram que a fraude fosse feita, e ela foi feita. A Confiança por Obscurantismo desabou, revelando-se não ser mais que um mito.

Como diz o prof. Rezende no artigo citado: "um mito é sempre um ponto cego na consciência, cujo reflexo inquieta".

O Min. Zveiter não conseguiu enxergar além do mito, um mito antigo que se inseriu numa cultura moderna, orgulhosa de ser "científica". E a conseqüência é inquietante

No Brasil do terceiro milênio, a apuração eleitoral é feita de forma secreta sem que os eleitores, detentores naturais do direito à justa apuração, possam saber como ela se dá e, argumentando-se com mitos, que criam pontos cegos nas consciências, justifica-se até que um Tribunal Superior descumpra a lei.
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