VOTO ELETRÔNICO E FRAUDE (2)

 

José Rodrigues Filho*

 

O debate sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas continua acirrado nos Estados Unidos, o que parece inibir uma eleição eletrônica naquele país. De um lado, cientistas e acadêmicos da área de computação apontando a vulnerabilidade das urnas eletrônicas e, de outro, o poderio da indústria de software defendendo seus interesses.  No Brasil, parte da comunidade científica até que tentou levar o assunto ao debate público, mas a tentativa foi fracassada, uma vez que tanto o Congresso Nacional como a Justiça Eleitoral enterraram as tentativas de se debater o assunto, que visavam eliminar os riscos de fraudes. Neste sentido, as tentativas de tornar o voto eletrônico mais seguro, através de mecanismos de impressão, permitindo a de recontagem, foram eliminadas.

O que se defende neste texto é que o debate sobre o voto eletrônico precisa ser ampliado além do ponto de vista técnico (falhas da tecnologia). É preciso compreender que o escopo do debate sobre as infra-estruturas tecnológicas vem se ampliando para incluir considerações econômicas, sociais e culturais, encapsuladas no conceito de sociedade da informação. Ademais, não se pode ignorar a natureza essencialmente social (não individual) de votar e a natureza cultural do processo de votação como um ritual simbólico, onde a cabine de pano parece estar mais relacionada com as tradições do nosso processo político do que uma urna eletrônica. Em resumo, é preciso colocar o voto eletrônico no seu devido lugar.

O fato de que milhares de analfabetos brasileiros, muitos deles vivendo abaixo da linha de pobreza, tiveram uma experiência que poucas pessoas da burguesa do primeiro mundo já tiveram – votar eletronicamente  - é um fenômeno que merece uma análise mais aprofundada. Do ponto de vista da democracia, precisa-se estudar a contribuição de uma eleição eletrônica para o país?

Neste sentido, as críticas ao voto eletrônico não podem simplesmente limitar-se às falhas técnicas, como sempre tem acontecido, mas envolver questões econômicas, culturais e sociais, uma vez que o voto eletrônico, principalmente o realizado de forma remota ou online (internet), é um tipo de voto que pode exacerbar o individualismo dos últimos tempos e frustrar as funções básicas da democracia. Na discussão de métodos de votação deve-se tentar responder a seguinte questão : Qual o método que oferece mais benefício?

O custo do voto eletrônico, que é considerado muito elevado em relação ao voto tradicional, precisa ser discutido. Num próximo texto, os gastos com o voto eletrônico no Brasil serão explorados, uma vez que superam os gastos de muitos programas sociais. Será que os benefícios não seriam maiores se tais gastos fossem utilizados em programas sociais destinados a atender milhares de analfabetos, que são forçados a votarem eletronicamente? Recentemente,  um representante do governo canadense foi indagado sobre a possibilidade de uma eleição eletrônica naquele país. A resposta dada foi a de que, primeiramente, seria necessário avaliar seus custos. Em seguida foi afirmado que, por questões culturais, possivelmente o povo canadense não aceitasse votar eletronicamente.

Os gastos em tecnologia da informação para as eleições eletrônicas no Brasil estão acontecendo sem que se tenha uma explicação adequada. A  sensibilidade da Justiça Eleitoral tanto com as questões de segurança quanto com os custos do voto eletrônico precisa ser bem evidenciada, sobretudo diante das precárias condições sociais da nossa população. Infelizmente fica evidenciado que o determinismo tecnológico parece ter prevalecido nas decisões do voto eletrônico no Brasil.

Não há dúvidas de que o voto eletrônico atende aos interesses das grandes corporações internacionais, sem benefícios visíveis para a sociedade. A Justiça Eleitoral precisa demonstrar, mais do que qualquer outro órgão da administração pública, sua visão social da tecnologia. Do contrário, somos levados a questionar: Que justiça é essa?

 

* -  José Rodrigues Filho é professor do Departamento de Administração da UFPB. Foi Pesquisador Visitante e Takemi Fellow pela Universidade de Harvard. Doutorado pela Universidade de Manchester e Pós-doutorado pela Universidade de Johns Hopkins.