Em outubro, 108 milhões de eleitores participarão das primeiras
eleições totalmente informatizadas do Brasil. Serão eleitos 5.549 prefeitos e 57.316
vereadores, através de 354 mil urnas eletrônicas.
O engenheiro e especialista em segurança de dados Amílcar Brunazo Filho,
moderador do Fórum do Voto Eletrônico - um grupo de discussão formado por
mais de 100 especialistas da área de informática, advogados e outros
profissionais (www.votoseguro.org) - afirma que o sistema de votação eletrônica é
vulnerável à ocorrência de fraude, possibilidade negada pelo secretário-geral de
informática do Tribunal Superior Eleitoral, Paulo César Camarão e pelo
corregedor-geral do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ), juiz Mário dos Santos Paulo.
A lei 9504, de 30 de setembro de 1997, prevê, em parágrafo único do artigo 62,
que o Tribunal Superior Eleitoral discipline a "hipótese de falha na urna eletrônica
que possa prejudicar o regular processo de votação".
Acompanhamento
O juiz Santos Paulo afirma que o software utilizado nas eleições é disponibilizado
para os partidos e que estes acompanham todo o processo eleitoral, desde a
inseminação de dados na urna eletrônica até a emissão do boletim de
apuração. "Os partidos estão sempre junto conosco. Fraude é uma palavra que
está abolida da eleição do Rio. Em 98, não tivemos nenhum tipo de
reclamação de fraude", garante o juiz.
Contudo, Amílcar Brunazo considera a urna eletrônica vulnerável e com graves
falhas de segurança. Aos partidos é garantido somente o acesso ao aplicativo,
que vem a ser o programa usado pelos eleitores para votar. O software básico do
sistema operacional, sobre o qual o programa é rodado, e a criptografia, que
codifica os dados da votação para impedir fraudes na cópia em disquete, não
são totalmente disponibilizados para os partidos.
Brunazo afirma que o processo de utilização das urnas eletrônicas foi realizada de
forma muito rápida. Ele explica que em outros países as urnas eletrônicas só foram
disponibilizadas para uso depois de analisadas e liberadas por fiscais especializados.
- O Tribunal Superior Eleitoral gastou quase R$ 1 bilhão com a compra das urnas,
obtidos mediante financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID) e a fiscalização dos partidos somente terá conhecimento do projeto e de
parte do programa utilizado 60 dias antes das eleições, quando não houver mais
jeito de voltar atrás. Se houver erro, qual será a solução? Suspender as
eleições? - questiona Brunazo.
Apresentação
Nesta terça-feira, 1º de agosto, serão apresentados aos partidos a urna eletrônica
e o programa utilizado no proceso eleitoral, no Tribunal Superior Eleitoral.
Secretário geral de informática do TSE e responsável pelas eleições
eletrônicas, Paulo César Camarão negou que as urnas tenham sido compradas com
empréstimo do BID. "O Tribunal Superior Eleitoral gastou R$ 190 milhões com as
urnas eletrônicas, os serviços prestados e programas utilizados. Nunca utilizamos
um tostão sequer que não tenha sido capital nacional", garante.
Camarão explica que o sistema de votação eletrônica é criado e decodificado por
equipes distintas, antes de ser auditado para a comprovação de sua legibilidade.
Segundo ele, os partidos têm total conhecimento do software utilizado, chegando
até a participar da preparação do programa, sendo privados apenas do código
fonte, gerador do programa, para garantir a segurança do processo. "Isso é
modernidade, o papel não significa nada", disse.
Sigilo ameaçado ?
Outra falha apontada por Brunazo é a digitação do número do título de eleitor
no mesmo ambiente magnético no qual ele vota. A possível identificação do eleitor
fere o direito ao voto secreto, assegurado na Constituição Brasileira. "A digitação
do título de eleitor no momento da votação fere o princípio do voto anônimo.
O TSE afirma que o número do título não é registrado, mas quem me garante isso? Em
outros países nos quais as eleições também são informatizadas, a
digitação do título de eleitor não é realizada no ato do voto".
Quanto à digitação do título na urna eletrônica, o secretário afirma que
este ato é necessário para impedir que um eleitor vote mais de uma vez ou em outra
seção eleitoral."Seria uma infantilidade da Justiça Eleitoral permitir identificação",
disse ele, afirmando que nenhum partido questionou o sistema eletrônico de votação.
Proposto pelo senador Roberto Requião (PMDB-PR), o projeto de lei 194/99, já
aprovado na Comissão de Constituição de Justiça do Senado, refere-se a
modificações na Lei 9.504. O projeto defende o fim da digitação do número de
eleitor no mesmo ambiente magnético em que ele deposita o voto.
Mário dos Santos Paulo afirma que o título de eleitor é utilizado apenas como
senha. "É evidente que o título não fica registrado. Se alguém afirmar que fica, é
um estúpido", disse ele. Porém, acrescentou que a urna fornece a listagem de tudo
o que for digitado. "Tudo o que é digitado é registrado", disse.
O projeto prevê ainda que todos os votos sejam impressos em papel no ato da
votação. Assim, cada eleitor teria condições de rever o próprio voto antes dele
ser depositado, sem qualquer contato manual, em urna inviolável aclopada à máquina,
que poderia ser conferida ao término das eleições, quando fossem emitidos os
boletins magnéticos de totalização.
Caso os fiscais de partido achassem necessário a fiscalização das eleições, 3%
das urnas seriam submetidos à conferência, através da comparação entre os votos
impressos e os registros na totalização magnética.
Amílcar Brunazo garante que as urnas eletrônicas são inauditáveis, uma vez que
não emitem qualquer documento impresso que possibilite a conferência dos votos
nela digitados - como faz qualquer caixa eletrônico ou máquina de cartão de
crédito.
O engenheiro chega a afirmar que o teste de avaliação das urnas não é válido
para assegurar a idoneidade do programa. "O edital de certificação do programa da
urna diz claramente que há um programa aplicativo específico para teste.
Infelizmente, os partidos políticos tiveram acesso ao teste, mas não demonstraram
capacidade para perceber e desmascarar esta farsa".
A lei 9.504
Para Brunazo, o próprio Tribunal Superior Eleitoral está indo contra a lei 9.504, ao
impedir o pleno acesso dos partidos ao programa utilizado na votação. "O
programa utilizado no teste não é o mesmo programa utilizado nas eleições. A
culpa não é só do TSE, é dos partidos, da imprensa e do público, que não se
interessam pela fiscalização", acusa.
A lei 9.504 estabelece normas para as eleições. No artigo 66, é garantido aos
partidos o acesso a todo o processo de votação. "Os partidos e coligações
poderão fiscalizar todas as fases do processo de votação e apuração das
eleições, inclusive o preenchimento dos boletins de urna e o processamento
eletrônico da totalização dos resultados, sendo-lhes garantido o conhecimento
antecipado dos programas de coputador a serem usados", estabelece o artigo.
Responsável pelo desenvolvimento do sistema eletrônico do Unibanco, o
programador de computadores Márcio Teixeira afirmou que o prazo de cinco dias
é ineficiente para serem validadas todas as fontes utilizadas no programa do voto
eletrônico. "São necessários alguns meses para esta avaliação, que deve ser feita
por técnicos altamente especializados", disse.
Sem recontagem
Para Teixeira, a não disponibilização de todas as fontes é uma forma de impedir a
ocorrência de fraudes, mas ele não considera o processo de votação eletrônica
totalmente seguro, lembrando que tecnicamente é possível registrar o número do
título de eleitor digitado na hora da votação, pois quem determina o uso do número
digitado são os programas. "Seria uma forma de fraude. Há também a
possibilidade da ocorrência de um subrograma dentro do software usado pelo TSE estar fraudado."
Com 40 anos de experiência em Direito Público e ex-procurador-geral do Estado,
o advogado Marcos Moraes compara o atual sistema de votação ao velho bico de
pena, no que diz respeito à confiabilidade. Ele também reforça o coro dos que
afirmam que o programa disponibilizado aos partidos é diferente do programa real
e passível de fraudes.
- Com o sistema atual, não temos recontagem, e este é o único meio de sabermos
se houve fraude. Não há a possibilidade de contrastarmos os votos. Qual é o mal
de se sortearem algumas urnas para que o partido confira os votos? - questiona o advogado, afirmando
também que a digitação do título de eleitor compromete o voto sigiloso.
Brunazo, por sua vez, afirma que se não houver uma conscientização de todos e
não se criar uma pressão política para o andamento deste projeto de lei, ele
poderá tornar-se apenas mais uma boa idéia engavetada no Planalto. Chegou a
hora do Brasil discutir a política de segurança do voto eletrônico", afirma Brunazo.