Jornal do Voto-E

Recorte da     Folha de São Paulo
São Paulo, 18 de maio de 2001
seção TENDÊNCIAS/DEBATES, pg. A3

O painel e a urna
Romeu Tuma
senador pelo PFL-SP e corregedor do Senado

Todos compreendem que o voto eletrônico é desejável, desde que se mantenha a possibilidade de conferir a apuração

Os brasileiros ficaram estarrecidos ao tomarem conhecimento de que fora violado o painel de votação eletrônica do Senado. Mais significativo é que tal fraude foi executada por agentes internos. E mais apreensivos ficarão os eleitores quando perceberem que a urna eletrônica brasileira sofre da mesma fraqueza e corre o mesmo perigo. Perigo de fraude no resultado e de identificação do voto!
Antes de ser feita uma auditoria externa no painel, seus responsáveis proclamavam taxativamente sua inviolabilidade. Tal declaração era previsível. Surpreendente seria se admitissem falhas na segurança, principalmente contra ataques desferidos por eles próprios. Portanto, somente com uma auditoria externa vieram à luz as reais fragilidades do sistema.
Não fosse a auditoria, nada seria descoberto, pois os responsáveis pelo painel, envolvidos na fraude ou não, sempre sustentariam a versão da total segurança. O painel do Senado, porém, não era seguro contra o ataque interno, como não é seguro nenhum sistema cuja confiabilidade dependa da honestidade das pessoas envolvidas.
Nosso sistema eleitoral (urna eletrônica e rede de totalização), projetado e operado por técnicos da Aeronáutica, da Abin e do TSE, não escapa à regra, pois sua confiabilidade depende de um grupo fechado de funcionários. Perguntar-lhes se o sistema é seguro levará sempre à declaração de que é 100% seguro. Mas somente uma auditoria externa responderia a essa questão com imparcialidade.
O caso do Senado é somente um exemplo que comprova um fato inequívoco não existe sistema computacional que não possa ser burlado por um grupo de pessoas com acesso a suas informações vitais. Segurança de sistemas tem muito mais a ver com pessoas do que com tecnologia. Não adianta usar a mais moderna técnica se operadores não submetidos a controle externo cederem a pressões ilícitas.
A melhor forma -e talvez a única- de evitar tais ataques é permitir a conferência da apuração dos votos de forma aberta, como está proposto em projeto de lei de autoria do senador Roberto Requião e emendado por mim, como relator, para atender a sugestões do ministro Nelson Jobim, do Tribunal Superior Eleitoral.
O projeto propõe que o voto impresso seja utilizado de forma paralela ao voto virtual, permitindo sua conferência. Desse modo, dificultam-se muito possíveis fraudes de apuração, pois os dois sistemas precisariam ser burlados simultaneamente.
Depois do fiasco da Flórida, no ano passado, aquele Estado norte-americano iniciou o processo de modernização de seu sistema eleitoral. Uma comissão teve suas sugestões aprovadas pelo Legislativo e, seis meses depois, já está sendo implantado o novo sistema eletrônico de votação, que inclui por lei a impressão do voto em papel, o qual permite a conferência da apuração eletrônica e cria as condições para a recontagem dos votos. Semelhante proposta foi apresentada por uma comissão em Maryland.
Todos compreendem que o voto eletrônico é desejável, desde que se mantenha a possibilidade de conferir a apuração. Fica claro, assim, por que a urna brasileira não foi adotada naqueles Estados norte-americanos.
O projeto de lei, que aguarda votação no Senado, tem essas mesmas duas características impõe que exista um comprovante material do voto e estabelece quando proceder à recontagem. A aprovação célere deste projeto, antes de outubro deste ano, vencendo a resistência dos que se opõem à conferência da apuração, é condição "sine qua non" para que surta efeito nas eleições de 2002 e o eleitor possa confiar no sistema eleitoral.
A importância e os riscos envolvidos numa eleição nacional demandam total transparência dos atos do TSE e exigem auditoria externa e conferência da apuração irrestritas, de forma a não deixar dúvidas entre os eleitores. Manter o sistema eleitoral sob sigilo e controle de um grupo fechado é ir contra o mais básico direito do cidadão nas democracias modernas o de votar e ter garantida a integridade do voto.


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