Antes de engrossar os espasmos de gozo tupiniquim, insaciáveis
e orgulhosos, com o vexame eleitoral dos mestres de democracia e civilização adotados pelo Brasil,
convém considerar umas poucas observações sobre as coisas de lá e as de cá.
Tem muito sentido a recomendação, feita por inúmeros comentaristas, de que os
americanos deveriam adotar o nosso sistema de votação eletrônico.
Rápido, simples e antivexame. Esta última qualidade, por não permitir recontagem.
Ou seja, por não permitir o que é feito agora na Flórida e deveria ser feito em todo caso
de dúvida, por menor que fosse.
Talvez, então, a eleição por sistema eletrônico à brasileira, dada como
lição para os americanos, seja menos democrática e menos civilizada do que o papelzinho
que ainda permite recontagem. E a reposição, se necessária, da fugidia verdade das urnas.
A rapidez na apresentação do resultado, a rigor, só tem a ver com ansiedades um tanto
fúteis. O que importa em um sistema eleitoral é a segurança que ofereça à
manifestação do eleitor e à apuração.
Para não acontecer, por exemplo, o que se deu com vários candidatos a vereador, no recente
emprego do nosso moderno sistema de votação e apuração não tiveram nem um
voto, no resultado oficial. Convenhamos nem os candidatos votarem em si mesmos é muito esquisito.
Se algum deles, lá pelos confins, se atrapalhasse com a maquininha ou, em melhor hipótese,
tivesse um momento de autocrítica iluminadora, a "votação zero" não suscitaria
interrogações. Mas equívocos a granel, por parte dos próprios candidatos, são
tão improváveis quanto iluminações de consciência na vasta
população dos pretendentes às delícias vereadoras.
Já em relação às eleições americanas, propriamente, a reação
brasileira de espanto, diante do que acontece na Flórida, é o melhor dos elogios à
eficiência e pureza das eleições nos Estados Unidos. O espanto é afirmação
de um acontecimento excepcional. Mas eleições nos Estados Unidos são um vale-tudo ao qual
não faltam as mais inquestionáveis comprovações.
Nem hipocrisia.
Só para ilustrar a confiabilidade daquelas eleições, dois ou três pormenores da
eleição do mais louvado, mundo afora, presidente americano desde Roosevelt. Dizer que
John Kennedy foi eleito é força de expressão, uma formalidade conveniente.
Sua vitória na convenção de West Virginia, onde não tinha condições de
derrotar Hubert Humphrey, foi comprada por largas somas dadas aos aliados de seu adversário.
Por insistência de um dos seus repórteres, "The Wall Street Journal" designou uma
equipe para investigar a compra dos votos pelos Kennedy. Foi tudo levantado e
provado, mas o assunto jamais chegou aos leitores do jornal. Muitos, no jornalismo
americano, acreditam na explicação de que os Kennedy, informados do trabalho dos
repórteres, obtiveram o silêncio do jornal.
Meios para isso não lhes faltavam. Para evitar a recusa de publicação que os
deixaria mal, os editores adotaram o subterfúgio de exigir que, além das provas
recolhidas, os repórteres conseguissem declarações por escrito dos que se
venderam e dos que distribuíram o dinheiro. Exigiam o impossível, portanto.
Na decisiva convenção de Chicago, como, depois, na eleição mesma, os
gângsteres é que asseguraram, com dinheiro e ameaças, a vitória de Kennedy.
Isso ficou comprovado, e o próprio líder da operação, o chefe mafioso Sam Giancana,
mais tarde proporcionou a jornalistas a narrativa de tudo.
Nem é preciso citar Watergate e a renúncia forçada de Nixon. Mas, para equilibrar,
também deixemos pra lá a "eleição" de Collor.
(JF)