Na terceira eleição com urnas eletrônicas, o sistema usado no voto
digital ainda causa dúvidas sobre sua segurança. As urnas que serão usadas
nas eleições de outubro tiveram seu primeiro teste no sábado, em Sirinhaém (PE).
Especialistas consultados pela Folha apontam várias possíveis falhas no sistema.
Segundo um deles, o engenheiro Amílcar Brunazo Filho, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral)
nega-se a criar mecanismos de auditoria e verificação do sistema usado nas eleições.
A forma como o governo em geral trata suas informações digitais leva o nome técnico de
"segurança por meio da obscuridade", segundo Thiago Zaninotti, 22, responsável pelo
site Securenet, sobre segurança de informática. "O governo tem tido problemas de
segurança em suas redes, com invasão de suas páginas na Internet. Parece pensar que
não há tecnologia para quebrar o sistema da urna. Não creio que haja má-fé,
mas a postura é perigosa."
Um artigo apresentado em um simpósio no ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica) em 99
por Brunazo apontou várias falhas possíveis do sistema. O engenheiro é responsável por um
fórum de discussão do voto eletrônico na Internet.
Identificação
Para Brunazo, o novo sistema eleitoral foi adotado sem amplo debate do assunto nas universidades.
Assim, ele teria ficado com duas falhas básicas, que o TSE não estaria disposto a reavaliar.
A primeira seria a "vinculação" do eleitor a seu voto. Para Brunazo, não há garantia de que
seja impossível descobrir para quem cada eleitor deu seu voto. Segundo o TSE, os votos de cada
candidato vão para uma área do disquete e a presença do eleitor, para outra.
"A identificação do eleitor pode e deve ser feita de maneira eletrônica. Só não pode ligar
essa etapa com a seguinte, que é a votação", diz Brunazo. Segundo ele, a
votação eletrônica convive bem com a identificação tradicional.
Um dos pré-projetos da urna, preparado em 1995 por professores do Instituto de Informática
da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), não incluía a identificação eletrônica.
"Consideramos essa capacidade de a urna determinar quais eleitores votaram um pouco perigosa,
por causa das reações que a opinião pública poderia ter", diz o professor Raul Weber,
co-autor do trabalho e doutor pela Universidade de Karlsruhe (Alemanha).
Segundo ele, o voto secreto está garantido quando o computador gera duas listagens separadas,
a dos eleitores e a dos votos. "Mas não adianta o órgão eleitoral apenas garantir que a ligação
não é feita", diz Weber.
Recontagem
O segundo problema apontado no estudo de Brunazo é que, como as urnas não imprimem o voto,
não seria possível verificar os resultados em uma recontagem. Um projeto de lei do
senador Roberto Requião (PMDB-PR), encaminhado em março de 99, propõe que todas as urnas
imprimam o voto do eleitor. Ele seria depositado em uma urna convencional. Até 3% das urnas,
escolhidas ao acaso, seriam recontadas.
O diretor de informática do TSE, Paulo Camarão, analisou o projeto e diz que ele abre a
possibilidade de tumulto na eleição. "Se meia dúzia de pessoas fazem isso
(acusam erro da urna ao votar) com má intenção, a seção eleitoral é anulada", disse.
Mesmo apontando problemas no projeto de lei, o TSE busca uma solução paralela.
Neste ano, Camarão diz que o tribunal vai escolher ao acaso algumas urnas para fazer uma
verificação. Com a fiscalização dos partidos, serão digitados votos "falsos" para cada
candidato, além de brancos e nulos. Depois, subtrai-se os votos "falsos" do total da urna
para obter o resultado real. O problema é que o boletim de urna traz só o total de votos
recebidos por candidato. "Só dá para saber em casos extremos, quando alguém votou
em um partido e o resultado deu zero", diz Weber.