Jornal do Voto-E

Recorte do     Estado de São Paulo
São Paulo, 24 de janeiro de 2004

Um Risco para a Democracia Americana

AS MÁQUINAS DE VOTAR USADAS NOS EUA PERMITEM FRAUDES

Paul Krugman, para o New York Times
[texto original em português]    [texto original em inglês]

A disputada eleição de 2000 deixou uma cicatriz duradoura na psique da nação americana. Uma recente pesquisa realizada pelo Instituto Zogby mostrou que mesmo nos Estados em que George W. Bush venceu, 32% das pessoas acreditam que a eleição foi roubada. Nos Estados que votaram em Al Gore, a proporção é de 44%.
Agora, imagine isto em novembro, o candidato que está à frente nas pesquisas tem uma vitória expressiva - mas todos os distritos eleitorais em que ele obtém uma vantagem ainda maior usam máquinas de votar por toque na tela. Enquanto isso, e-mails das empresas que fabricam essas máquinas, e que vazaram ao público, sugerem erros em profusão, e, possivelmente, fraudes. O que isso representaria para a nação?
Infelizmente, esta história é completamente plausível - na verdade, é possível contar uma história similar a respeito de alguns resultados das eleições intermediárias de 2002, principalmente na Geórgia. Acertadamente, a revista Fortune classificou as máquinas eleitorais que não imprimem comprovantes em papel de "a pior tecnologia de 2003". Mas não se trata apenas de uma tecnologia ruim. Isso é uma ameaça à república.
Primeiro de tudo, essa tecnologia simplesmente falhou em recentes eleições locais. Numa eleição especial no Condado de Broward, na Flórida, 134 eleitores foram privados do direito de votar porque as máquinas eletrônicas não registraram sua votação e não havia como determinar a intenção deles (a eleição foi decidida por uma vantagem de apenas 12 votos). No Condado de Fairfax, na Virgínia, as máquinas quebraram com freqüência e se recusaram a registrar votos. Na primária de 2002, as máquinas de diversos distritos eleitorais da Flórida não assinalaram votos para governador.
E quantas falhas não foram percebidas? E-mails internos da Diebold, a principal fabricante de máquinas de votar eletrônicas (mas não das que falharam na Flórida e Virgínia), revelam que os programadores estavam apavorados com a inconfiabilidade do sistema. Um deles diz "Estou esperando que alguém me explique por que a Precinct 216 deu a Al Gore menos 16.022, quando eu fiz o upload." Outro diz "Para uma demonstração, sugiro que você faça uma adulteração."
Técnicos em informática dizem que o software da Diebold e outros fabricantes é cheio de falhas de segurança, que permitem facilmente, a alguém que participe do processo, "arranjar" uma eleição. Mas os responsáveis pelas empresas de máquinas de votar não fariam isso, fariam? Pergunte a Jeffrey Dean, um programador que foi vice-presidente sênior da fábrica de máquinas Global Election Systems, antes de a Diebold adquiri-la, em 2002. Bev Harris, autor de "Black Box Voting" (www.blackboxvoting.com), disse à agência The Associated Press que Dean, antes de conseguir aquele emprego, passou um tempo numa instituição correcional de Washington por roubar dinheiro e fraudar arquivos de computadores.
Deixando de lado os programadores questionáveis, mesmo um olhar rápido ao comportamento dos principais fabricantes revela o desprezo sistemático às regras destinadas a garantir a segurança do processo eleitoral. O software foi modificado sem supervisão do governo; componentes das máquinas foram substituídos sem rechecagem. E aqui vem o ponto crucial mesmo que haja fortes motivos para se suspeitar de que as máquinas eletrônicas fizeram contagens erradas, nada poderá ser feito. Não há registro de papel. Não há nada a ser recontado.
Então, o que deveria ser feito? O representante democrata Rush Holt apresentou um projeto de lei propondo que cada máquina emita um registro de papel para que o eleitor o verifique. O registro deveria ser guardado, para alguma auditoria futura. O projeto pede que o expediente esteja pronto até a eleição deste ano, e que os distritos eleitorais que não conseguirem cumprir o prazo usem urnas comuns de votação. E pede ainda inspeções "incertas" em cada Estado.
Não vejo objeções possíveis a este projeto. Ignore as inevitáveis acusações de "teorias conspiratórias", embora algumas conspirações sejam reais.
Quinta-feira, o Boston Globe informou que "membros republicanos do Comitê de Justiça do Senado invadiram arquivos de computadores da oposição por um ano, monitorando memorandos estratégicos secretos e periodicamente passando cópias deles para a mídia". Para apurar a verificação dos votos você não precisa acreditar que os fabricantes das máquinas de votação fraudaram ou fraudarão as eleições. Como alguém pode se opor a medidas que deixarão os votos isentos de suspeição?
E quanto aos gastos? Vejamos as coisas deste modo estamos gastando pelo menos US$ 150 bilhões para promover a democracia no Iraque. Isso representa US$ 1.500 por voto dado na eleição de 2000. Como é possível restringir o gasto de uma pequena fração daquele valor para garantir a credibilidade da democracia nos Estados Unidos?


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