Jornal do Voto-E

Recorte do     Cadernos do Terceiro Mundo n° 219
Rio de janeiro, Abril/Maio de 2000

PROCONSULT - Um caso exemplar
Procópio Mineiro

A história das eleições está repleta de casos de urnas sumidas, trocadas, apuradores infiéis, juízes suspeitos. Na apuração manual, contudo, sempre existia a possibilidade de uma recontagem, da comprovação de cédulas fraudadas.

Convém aqui recordar um caso que se tornou famoso pelas circunstâncias: o Caso Proconsult, nas eleições de 1982, no Rio de Janeiro, quando se elegiam governadores pelo voto direto, depois de um longo interregno de escolhas indiretas impostas pelo regime militar. Mais ainda: vários ex-cassados retomavam carreiras políticas interrompidas pela força 18 anos antes.

O Tribunal Regional Eleitoral decidiu informatizar a fase final da apuração, isto é, o somatório final dos mapas produzidos manualmente pelas juntas de apuração em cada zona eleitoral. A firma contratada para isto foi a Proconsult que tinha entre seus especialistas pessoas ligadas ao Serviço Nacional de Informações (SNI) e a outros órgãos da chamada comunidade de informações.

Sem que os partidos pudessem exercer seu direito de fiscalização, esse decisivo ponto da apuração representava uma alienação do voto, uma vez que o TRE estava desaparelhado para garantir a lisura do somatório final e alienava o seu dever de garantir a honestidade eleitoral, ao entregar a responsabilidade do veredicto final do pleito a uma empresa particular.

Como chefe do Departamento de Jornalismo da Rádio Jornal do Brasil-AM, onde começava a implantar o sistema de jornalismo total, o chamado all news, ocorreu-me oferecer aos ouvintes uma apuração paralela, ágil, que desse a progração dos números, em vez de esperar o calhamaço do TRE.

Com uma pequena equipe, integrada em grande parte de estudantes de jornalismo, foi possível oferecer inúmeros boletins diários formados do somatório dos mapas coletados nas juntas de apuração. Ao final do primeiro dia, tínhamos cerca de 2% dos votos totalizados e pude ousar a previsão de que Leonel Brizola era o vitorioso contra Moreira Franco, candidato do regime, inflado por uma campanha de marketing extraordinária.

No finalzinho da noite desse primeiro dia, o primeiro de uma série cada vez mais tempestuosa de telefonemas, que se extenderiam por mais seis dias, do responsável pela Proconsult, Arcádio Vieira. Como matemático, analisava minha apuração e concluia que a vitória final seria de Moreira Franco por "uns 60 mil votos". Os argumentos, porém, eram poucos matemáticos: falavam na elevada proporção de votos que seriam (seriam!) anulados na conferência final antes da entrada dos dados no computador. Ou seja, os mapas procedentes das juntas apuradoras iriam ser alterados, porque os pobres (eleitores do Brizola) não teriam competência para preencher com correção a cédula, muito complexa, pois a eleição envolvia também a escolha de senadores, deputados estaduais e federais, prefeitos e vereadores. Somado tudo, daria vantagem de 60 mil votos para o candidato do regime militar.

Basicamente foi esta a cantilena do homem da Proconsult nos infalíveis telefonemas, que chegaram às amaeaças nos últimos contatos. Foi uma semana tumultuada: de um lado nós, da Rádio JB, com os números somadosdos mapas do próprio TRE dando vitória a Brizola; do outro, a Proconsult, com seu dirigente falante, e o Sistema Globo, afirmando a vitória do Moreira, com o suporte bombástico da televisão.

A Rádio JB dera um flagrante inesperado: revelara os números reais - o pronunciamento da maioria do povo - antes que a combinação dos "60 mil" se materializasse. No final da semana, enquanto Brizola se anunciava vencedor com base nos números da Rádio JB, o Sistema Globo recompunha seus números, aproximando-os da verdade. Um mês depois, imerso em crise, o TRE apresentou seus números: eram os nossos com diferênças de milésimos.

Do episódio uma lição: a tecnologia pode estar também a serviço do mal. Se em 82 a eleição estivesse totalmente informatizada, como tem sido nos últimos tempos, a história teria sido diferente: não teria tido, com minha equipe, condições de oferecer a apuração paralela, que foi a verdadeira. O resultado teria sido outro, pois o sistema eletrônico fora manipulado para alterar a vontade popular. Os técnicos que hoje questionam os procedimentos impostos pelo TSE prestam, em minha opinião, uma extraordinária contribuição a democracia.

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