Todos compreendem que o voto eletrônico é desejável, desde que se mantenha a
possibilidade de conferir a apuração
Os brasileiros ficaram estarrecidos ao tomarem conhecimento de que fora
violado o painel de votação eletrônica do Senado. Mais significativo é que
tal fraude foi executada por agentes internos. E mais apreensivos ficarão os
eleitores quando perceberem que a urna eletrônica brasileira sofre da mesma
fraqueza e corre o mesmo perigo. Perigo de fraude no resultado e de
identificação do voto!
Antes de ser feita uma auditoria externa no painel, seus responsáveis
proclamavam taxativamente sua inviolabilidade. Tal declaração era
previsível. Surpreendente seria se admitissem falhas na segurança,
principalmente contra ataques desferidos por eles próprios. Portanto,
somente com uma auditoria externa vieram à luz as reais fragilidades do
sistema.
Não fosse a auditoria, nada seria descoberto, pois os responsáveis pelo
painel, envolvidos na fraude ou não, sempre sustentariam a versão da total
segurança. O painel do Senado, porém, não era seguro contra o ataque
interno, como não é seguro nenhum sistema cuja confiabilidade dependa da
honestidade das pessoas envolvidas.
Nosso sistema eleitoral (urna eletrônica e rede de totalização), projetado e
operado por técnicos da Aeronáutica, da Abin e do TSE, não escapa à regra,
pois sua confiabilidade depende de um grupo fechado de funcionários.
Perguntar-lhes se o sistema é seguro levará sempre à declaração de que é
100% seguro. Mas somente uma auditoria externa responderia a essa questão
com imparcialidade.
O caso do Senado é somente um exemplo que comprova um fato inequívoco não
existe sistema computacional que não possa ser burlado por um grupo de
pessoas com acesso a suas informações vitais. Segurança de sistemas tem
muito mais a ver com pessoas do que com tecnologia. Não adianta usar a mais
moderna técnica se operadores não submetidos a controle externo cederem a
pressões ilícitas.
A melhor forma -e talvez a única- de evitar tais ataques é permitir a
conferência da apuração dos votos de forma aberta, como está proposto em
projeto de lei de autoria do senador Roberto Requião e emendado por mim,
como relator, para atender a sugestões do ministro Nelson Jobim, do Tribunal
Superior Eleitoral.
O projeto propõe que o voto impresso seja utilizado de forma paralela ao
voto virtual, permitindo sua conferência. Desse modo, dificultam-se muito
possíveis fraudes de apuração, pois os dois sistemas precisariam ser
burlados simultaneamente.
Depois do fiasco da Flórida, no ano passado, aquele Estado norte-americano
iniciou o processo de modernização de seu sistema eleitoral. Uma comissão
teve suas sugestões aprovadas pelo Legislativo e, seis meses depois, já está
sendo implantado o novo sistema eletrônico de votação, que inclui por lei a
impressão do voto em papel, o qual permite a conferência da apuração
eletrônica e cria as condições para a recontagem dos votos. Semelhante
proposta foi apresentada por uma comissão em Maryland.
Todos compreendem que o voto eletrônico é desejável, desde que se mantenha a
possibilidade de conferir a apuração. Fica claro, assim, por que a urna
brasileira não foi adotada naqueles Estados norte-americanos.
O projeto de lei, que aguarda votação no Senado, tem essas mesmas duas
características impõe que exista um comprovante material do voto e
estabelece quando proceder à recontagem. A aprovação célere deste projeto,
antes de outubro deste ano, vencendo a resistência dos que se opõem à
conferência da apuração, é condição "sine qua non" para que surta efeito nas
eleições de 2002 e o eleitor possa confiar no sistema eleitoral.
A importância e os riscos envolvidos numa eleição nacional demandam total
transparência dos atos do TSE e exigem auditoria externa e conferência da
apuração irrestritas, de forma a não deixar dúvidas entre os eleitores.
Manter o sistema eleitoral sob sigilo e controle de um grupo fechado é ir
contra o mais básico direito do cidadão nas democracias modernas o de votar
e ter garantida a integridade do voto.